TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

116 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL citado pelo Acórdão recorrido – a crença de que qualquer alteração legislativa, a ter lugar, “manteria uma configu- ração consentânea com a finalidade e com a natureza originais” dos complementos de reforma, 4.ª Estando assim em causa diversas questões e de enorme relevância jurídico-constitucional, que vão muito para além das analisadas no citado Acórdão nº 413/14, 5.ª Porque, por um lado, está em questão fundamentalmente o respeito por preceitos e princípios fundamen- tais da nossa Sociedade e da nossa Ordem Jurídica, à luz não apenas do direito supralegal interno mas também do internacional, maxime comunitário, 6.ª A cuja interpretação e aplicação conformes, aliás, os órgãos jurisdicionais nacionais estão vinculados e que devem respeitar com particular rigor, sob pena de o Estado português poder ser condenado pelo Tribunal de Justiça da U.E., como recentemente sucedeu. Contudo, 7.ª Para além da problemática cuja apreciação, pela sua enorme relevância jurídica, se revela indispensável para uma melhor aplicação do Direito, os interesses aqui em causa – que podem abranger milhares de trabalhadores e que se prendem com a admissibilidade de soluções legais consubstanciadoras do seu lançamento na miséria mediante cortes até 60% no respectivo rendimento disponível – têm uma inegável e particularíssima tutela por parte da Constituição, 8.ª Quer da Constituição formal, quer da Constituição material, e muito em especial das normas de carácter internacionais, maxime comunitárias, que consagram e tutelam direitos fundamentais constitucionais. 9.ª É certo que este Tribunal Constitucional não está vinculado pelo enquadramento que as partes dão à ques- tão sub judice . Porém, 10.ª E por um lado, ele tem de conhecer oficiosamente o Direito, todo o Direito (o que é, aliás, uma decorrên- cia do princípio da legalidade do conteúdo das decisões judiciais), não se podendo eximir a fazê-lo sob fórmulas tabelares como as de que “não se vislumbram” violação de determinados preceitos, sem proceder a qualquer efectiva apreciação da questão, 11.ª Como tem também e forçosamente de resolver todas as questões que lhe tenham sido submetidas, ainda que possa interpretar e aplicar normas jurídicas distintas, ou até as mesmas que as partes invocaram, mas num sentido diferente do alegado por elas. 12.ª Uma eventual falta de análise e de consideração relativamente aos fundamentos ou argumentos jurídicos aduzidos pelos recorrentes, não deixaria nunca de afectar a correcção jurídica da decisão produzida. 13.ª O Acórdão do TC n.º 413/14 não decide, nem sequer analisa, correctamente todas as vertentes da pro- blemática aqui em causa, e muito em particular a relativa a outros preceitos e princípios de natureza claramente constitucional que vigoram na Ordem Jurídica interna portuguesa. 14.ª Medidas como a redução salarial dos trabalhadores do Estado e do sector público, bem como o não paga- mento do complemento das pensões de reforma a trabalhadores das empresa do sector empresarial do Estado, por constituírem uma medida de consolidação orçamental escolhida pelo Estado Português no sentido de cumprir e implementar o direito da União e as obrigações assumidas no pedido de assistência financeira, sempre teriam que estar sujeitas à validação jusfundamental decorrente dos princípios e direitos fundamentais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 15.ª Existe sobreposição de direitos fundamentais, nesta matéria, previstos na CDFUE e na Constituição da República Portuguesa, ou seja, perante ambos os catálogos, aquela medida (de redução retributiva) ofende direitos e princípios fundamentais, de natureza constitucional. 16.ª Não existindo qualquer conflito entre ambos os catálogos, não se colocará sequer o problema de determi- nar qual o instrumento normativo que confere um nível de protecção mais elevado. O caso ora sub judice demonstra a possibilidade de ocorrer uma articulação entre as duas codificações de direi- tos fundamentais, num sistema multinível, que lhes confere uma garantia acrescida. 18.ª E se o Juiz nacional tem dúvidas – e mais ainda se é o órgão jurisdicional supremo a decidir, a nível interno, tal questão – sobre a interpretação e aplicação das normas de direito nacional de modo conforme com os preceitos e princípios do ordenamento jurídico comunitário, então deverá proceder ao reenvio prejudicial do processo ao Tribunal de Justiça da União Europeia, para apreciação e decisão de tal questão de (in)conformidade.

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