TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
106 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL impostos retroativos (Acórdão n.º 171/17), ou de determinar se tal cláusula opera de forma automática ou se implica uma interpretação valorativa da tutela da confiança em cada caso concreto (Acórdãos n. os 128/09 e 399/10), certo é que os limites à retroatividade, de uma forma ou de outra, acabam por decorrer do princípio da proteção da confiança. Desde sempre o Tribunal Constitucional afirmou que o princípio da proteção da confiança não exclui em absoluto a possibilidade de leis fiscais retroativas, excluindo-as apenas quando se se esteja perante retroatividade que afete de forma excessiva, inadmissível ou intolerável os direitos e expectati- vas legitimamente fundados dos contribuintes. Por isso, também a inadmissibilidade constitucional da «retroatividade» das leis fiscais interpretativas só pode estar dependente do juízo que se faça sobre a existência de excesso na frustração das expectativas que o Estado criou com as leis interpretadas. 5. E não pode, na verdade, deixar de concluir-se que, no que toca às normas fiscais interpretativas, a proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição abrange as leis apenas formal- mente interpretativas. Com efeito, as leis só pelo legislador ditas interpretativas, mas materialmente inova- doras, em sentido desfavorável, constituem uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os des- tinatários da norma pretensamente interpretada não podiam contar. Se o legislador declara precetivamente que a lei é interpretativa, mas na realidade ela é totalmente imprevisível e inovadora, há uma inadmissível e intolerável frustração da confiança depositada na manutenção da solução que a lei interpretada consagrava. Nesse caso, a declaração, por parte do legislador, de que a lei é interpretativa, quando na realidade não tem esse caráter, tem que ser interpretada como pretendendo impor efeito retroativo à nova lei. Isto porque, faltando-lhe uma intenção verdadeiramente interpretativa, a lei impositiva da retroatividade atua exclusiva- mente razões ou critérios de oportunidade político-legislativa (Acórdãos n. os 644/17, 92/18 e 52/19). Mas quanto às leis que intencional e materialmente desempenham uma função rigorosamente interpre- tativa e que, por isso, se limitam a optar por um dos sentidos interpretativamente possíveis da lei interpretada, não se pode considerar, prima facie , que a sua aparente «retroatividade» afete de forma inadmissível ou into- lerável, porque injustificada ou arbitrária, as expectativas legítimas dos destinatários da norma interpretada. É que, quando a norma interpretada é obscura e confusa, os seus destinatários encontram-se numa situação de incerteza sobre o critério jurídico que o tribunal aplicará aos factos que ela pretende regular. Se há uma “controvérsia jurisprudencial” sobre o sentido a dar à lei interpretada, não podem ser geradas expectativas de continuidade de um ou outro dos sentidos imputados a essa lei. Não devendo contar como certo e seguro qualquer dos sentidos normativos extraídos da lei interpretada, não há qualquer expectativa juridicamente tutelável – e muito menos um direito – à imutabilidade de qualquer um deles. Na verdade, se foram proferidas nos tribunais decisões desencontradas, de modo que, em consequência delas, o sentido da lei se haja tornado incerto, a expectativa dos seus destinatários numa decisão judicial favorável, sem a intervenção da lei interpretativa, não tem justificação, porque o tribunal que apreciar os factos pode não extrair da norma interpretada o critério jurídico que despertou aquela expectativa. Daí que, em princípio, a lei interpretativa não frusta a confiança dos destinatários na manutenção de outros possíveis sentidos da lei interpretada. E tanto basta para termos de reconhecer que as leis materialmente interpretativas não estão abrangidas pela proibição da retroatividade fiscal, consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da CRP. Mas também se reconhecerá, por outro lado, que a eventual afetação de expectativas criadas pelos pos- síveis sentidos da norma interpretada não tem intensidade equivalente à lesão causada pela “retroatividade inautêntica” de uma lei fiscal inovadora. De facto, enquanto a aplicação da lei interpretativa aos factos passados não envolve um verdadeiro efeito retroativo, por não implicar uma valoração nova desses factos, a retrospetividade visa factos anteriores ainda não concluídos ou efeitos de factos anteriores que continuam a produzir-se, valorando-os ex novo . Por isso, a legitimidade das expectativas dos contribuintes na continui- dade da lei substantiva anterior, sobre a qual não se questiona o sentido, é muito mais consistente do que eventuais expectativas fundadas numa lei obscura e de interpretação duvidosa.
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