TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

105 acórdão n.º 49/20 totalmente esgotados, ou que ainda não ocorreram totalmente ao abrigo dessa lei, continuando a formar-se durante a vigência da lei nova. É claro que, em princípio, as normas autenticamente retroativas, em relação a factos tributários já con- cluídos, afetam de forma mais intensa a confiança dos contribuintes na manutenção do regime vigente à data da ocorrência desses factos do que as normas retrospetivas, uma vez que, aqui, a não consolidação plena dos factos e dos respetivos efeitos gera uma diminuição do peso dos interesses relativos à proteção da confiança dos contribuintes. Do ponto de vista da eventual afetação da situação jurídica do contribuinte, é mais grave a eficácia da primeira categoria de normas do que a segunda e, por isso, a resistência à retroatividade pode apresentar maior intensidade normativa naquela do que nesta. Daí que, atendendo à gravidade diferenciada com que as normas fiscais retroativas podem afetar a situa- ção de confiança dos contribuintes, e socorrendo-se dos trabalhos preparatórios da 4.ª Revisão da Constitui- ção na parte relativa ao aditamento por ela introduzido ao artigo 103.º, n.º 3, a jurisprudência constitucional tenha vindo a interpretar este preceito no sentido de apenas consagrar a proibição da retroatividade autêntica ou própria da lei fiscal. Nesse sentido, uma lei nova que pretenda afetar situações fiscais já esgotadas ou esta- bilizadas é “automaticamente” inconstitucional, sem ser necessário avaliar se a proteção da confiança foi ou não violada; mas se a nova lei afeta direitos, situações ou posições constituídas no passado, mas que prolonga os seus efeitos no presente, o juízo de inconstitucionalidade já depende da “ponderação” de bens e interesses em confronto efetuada na análise da proteção da confiança (Acórdãos n. os  128/09, 85/10, 399/10, 523/10, 524/10, 18/11, 310/12, 382/12, 617/12 e 85/13). É esta a interpretação que resulta do primeiro destes arestos, e que serviu de orientação aos demais, ao referir no ponto 7 o seguinte: “Foi na revisão constitucional de 1997 que o legislador constituinte tomou a opção de consagrar, no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, o princípio geral de proibição de cobrança, pelo Estado, de impostos retroativos. Explicitou-se, aqui, diz a doutrina, algo que já decorria do princípio da proteção de confiança e da ideia de Estado de direito nos termos do artigo 2.º da CRP (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 1092 e ss). Decorre deste preceito constitucional que qualquer norma fiscal desfavorável (não se entrando aqui na questão de saber se normas fiscais favoráveis podem, e em que medida, ser retroativas) será constitucionalmente censu- rada quando assuma natureza retroativa, sendo a expressão «retroatividade» usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico: proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável. (…) Uma vez expresso no texto da Constituição a proibição da retroatividade em matéria fiscal, o Tribunal pas- sou a ler esta proibição já não numa dimensão subjetiva (dependendo, em concreto, do contexto dos sujeitos da relação tributária resultante da aplicação da lei) mas antes numa dimensão objetiva. Diz o Tribunal, a este propó- sito, que à proibição expressa da retroatividade da lei fiscal “não pode deixar de estar ínsita uma garantia forte de objetividade e autovinculação do Estado pelo Direito” (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/00, in www.tribunalconstitucional.pt ) Quer isto dizer que, atualmente, e consagrado que está o princípio geral de irretroatividade da lei fiscal, a mera natureza retroativa de uma lei fiscal desvantajosa para os particulares é sancionada, de forma automática, pela Constituição, qualquer que tenha sido, em concreto, a conduta da administração fiscal ou do particular tributado. Por outras palavras, o juízo de inconstitucionalidade decorre apenas da mera análise dos dados normativos, não dependendo, em nenhum momento, da averiguação de quaisquer elementos circunstanciais que resultem da con- dição, em concreto, de uma certa relação jurídico-tributária”. Independentemente da questão de saber se a norma do n.º 3 do artigo 103.º da CRP tem natureza de regra ou de princípio e das consequências que daí resultam para delimitar o âmbito da cláusula proibitiva de

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