TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
104 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL inadmissível ver na interpretação só um ato de conhecimento, sem um conteúdo e um resultado norma- tivamente constitutivos, como ver na interpretação autêntica só um ato legislativo, sem quaisquer pressu- postos interpretativos»; pode assim dizer-se que «momentos interpretativos em sentido estrito (momentos hermenêuticos) e momentos normativos (normativamente constitutivos) existem em ambas as categorias de interpretação, embora possivelmente em graus variáveis» ( O Instituto dos «Assentos» e a Função Jurídica dos Supremos Tribunais, Coimbra, 1983, pp. 328 e 334). Ora, se ambas as interpretações comportam momentos interpretativos e momentos constitutivos, então a justificação para a retroatividade das leis materialmente interpretativas há de encontra-se em razão diferente da natureza declarativa ou constitutiva da interpretação. Como já se referiu, citando J. Batista Machado, a retroação das leis verdadeiramente interpretativas justifica-se, essencialmente, «por não envolver uma viola- ção de quaisquer expectativas seguras e legitimas dos interessados» ( ob. cit , p. 286). Assim, os limites à retroatividade das leis interpretativas – de resto, como de quaisquer outras – decor- rem do princípio da proteção da confiança: aplicam-se retroactivamente quando não afetem de forma inad- missível e arbitrária os direitos e expectativas que os interessados legitimamente fundaram com base no regime da lei interpretada. É por isso que a lei formalmente interpretativa, que contém disposições não virtualmente contidas na lei interpretada, é substancialmente retroativa, na medida em que os destinatários da lei interpretada tinham como seguro o regime que lei interpretativa modificou com a introdução de novo critério jurídico; já a lei materialmente interpretativa, que impõe um dos sentidos comportados pela lei interpretada, só aparente- mente é retroativa, na medida em que os interessados não podiam (ou não deviam) contar com qualquer um dos sentidos imputados à lei interpretada. É evidente que, quando os interessados fundaram expectativas seguras numa determinado sentido interpretativo, como ocorre nas situações enunciadas no n.º 2 do artigo 13.º do Código Civil, a retroatividade da lei interpretativa tem caráter substancial. A retroatividade da lei materialmente interpretativa, para além de se basear no facto de não violar expec- tativas legítimas e fundadas dos indivíduos, assenta também em razões de justiça relativa e de certeza: por um lado, «se a nova lei (interpretativa) não se aplicasse imediatamente aos próprios factos anteriores à sua entrada em vigor, estes continuariam a ser tratado desigualmente, consoante a interpretação da lei anterior perfilhada pelo tribunal que os apreciasse»; por outro, «se a nova lei (interpretativa) não fosse imediatamente aplicada aos factos anteriores, os particulares continuariam a viver na incerteza sobre qual o regime que o tribunal viria a aplicar a esses factos quando eles porventura fossem aplicados em juízo» (Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, Vol. I, Coimbra Editora, 1961, pp. 202 e 203). Por uma e outra razão o objetivo prático da lei verdadeiramente interpretativa também é o da uniformidade de tratamento de casos idênticos e da remoção de possíveis disparidades na aplicação da lei interpretada, uma exigência formal da certeza do direito e da igualdade na sua realização. 4. Dito isto, vejamos se as leis interpretativas também estão cobertas pelo princípio da proibição da retroatividade fiscal consagrado no n.º 3 do artigo 103.º da CRP: «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) que tenham natureza retroativa». O significado e alcance da proibição da retroatividade fiscal – consagrado naquele preceito pela Revisão Constitucional de 1997 – têm vindo a ser determinado pelo Tribunal Constitucional atendendo à diferente gravidade com que a norma fiscal pode afetar a segurança jurídica e, do ponto de vista subjetivo, as expecta- tivas e a confiança dos contribuintes. O reconhecimento de que as normas fiscais podem envolver diferentes “graus de retroatividade” levou o Tribunal a estabelecer uma dicotomia entre retroatividade autêntica ou própria, quando a norma fiscal impositiva se aplica a factos tributários cujos efeitos já se produziram ou esgotaram ao abrigo de lei fiscal anterior mais favorável, e retroatividade inautêntica ou retrospetividade, quando a norma fiscal impositiva se aplica a factos tributários ocorridos ao abrigo da lei anterior, mas cujos efeitos ainda não se encontram
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