TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

103 acórdão n.º 49/20 lei interpretativa aos factos passados não envolve efeito retroativo em sentido verdadeiro, uma vez que não implica uma valoração nova desses factos» ( ob. cit. p. 285, nota 225). Decerto que a interpretação fixada por lei é determinada por critérios de conveniência e oportunidade político-legislativa, já que o legislador atua sempre com base na autoridade política que a Constituição lhe confere para definir o interesse geral da comunidade. Porém, se a lei for materialmente interpretativa é arbitrário excluir dela uma intenção verdadeiramente interpretativa, sem a qual não estaríamos perante uma lei dessa natureza, mas apenas perante uma lei materialmente inovadora que se diz interpretativa para impor efeitos retroativos, mas que é incompatível com a lei interpretada e que nada tem a ver como aquela intenção interpretativa. Ora, precisamente por lhe corresponder um momento materialmente interpretativo, revelador de um sentido interpretativo que já se encontra, originariamente, impresso na norma interpretada, é que o n.º 1 do artigo 13.º do Código Civil determina a retroatividade da lei interpretativa «mediante a sua integração da lei interpretada e assim operando uma novação da fonte normativa originária» (Acórdão n.º 216/15). Há, sem dúvida, a imposição de um dos sentidos normativos que a lei interpretada metodológica- -doutrinalmente comportava, assim como a exclusão de outros possíveis. Pode assim dizer-se que a ratio da lei interpretativa é fixar obrigatoriamente um determinado sentido à lei interpretada. Não se trata, porém, da imposição de novo direito, mas de interpretação fixada em termos obrigatórios por um poder formal para tanto legalmente legitimado: ao órgão legislativo compete também o poder de interpretar as suas próprias normas jurídicas. O impedimento de se obter da lei interpretada um critério normativo de decisão do caso concreto diferente do que está explicado na lei interpretativa é, pois, uma consequência do caráter prescritivo e obrigatório desta lei. Todavia, o caráter vinculante da interpretação imposta por leis interpretativas materiais ou «por natu- reza» não lhe confere a natureza de ato criador de novo direito. Se assim fosse, a lei não cumpriria a sua função de esclarecer alguma ambiguidade ou obscuridade da lei interpretada. Interpretar não é inovar: no exercício da função judicial, é investigar a mens legis e a ratio legis , a fim de obter o critério jurídico da justa decisão do caso concreto; no exercício da função legislativa, é esclarecer dúvidas que se hajam suscitado na interpretação de uma norma vigente. Toda a lei que excede esta função, toda a lei que define uma regra ou um princípio que não está contido na lei que diz pretender interpretar, não é materialmente interpretativa, é inovadora, porque, nesse caso, não declara o direito existente; nesse caso, cria uma nova norma jurídica. É por isso que as leis apenas formalmente interpretativas não podem deixar de revestir natureza consti- tutiva, pois o juízo que lhe subjaz é ordem exclusivamente política; já as leis materialmente interpretativas, apesar da intenção originária também ser de política legislativa, exprimem uma intenção interpretativa em sentido próprio, revestindo, por isso, natureza explicativa da lei interpretada. A natureza da lei interpretativa é, por consequência, um efeito da sua função: rigorosamente constitutiva, quando impõe um sentido que a lei interpretada nunca poderia comportar; de conteúdo declarativo, quando visa determinar o sentido e alcance da lei anterior. A natureza constitutiva ou declarativa da interpretação realizada pelo legislador não é, porém, um cri- tério decisivo para determinar se a «retroatividade» das leis interpretativas é substancial ou apenas aparente. As leis formalmente interpretativas são substancialmente retroativas porque, ao imporem um novo critério jurídico, produzem efeitos constitutivos; mas as leis materialmente interpretativas, apesar de não criarem direito novo, vinculam a lei interpretada a determinado sentido e nessa medida, ao pretenderem esclarecer imperativamente para o passado, também se poderia dizer que têm eficácia constitutiva. E assim sendo, contrariamente às interpretações judiciais, que são declarativas e não têm efeito retroativo, a retroatividade inerente a esse tipo de leis interpretativa também teria um caráter substancial. Simplesmente, a comparação entre interpretação jurisprudencial e interpretação legislativa, quanto ao fundamento e ao método de realização do direito, para efeito de determinar a natureza constitutiva ou decla- rativa da interpretação autêntica e a consequente imposição de efeitos retroativos, não é capaz de justificar por si só a retroatividade das leis interpretativas. Com efeito, como refere Castanheira Neves, «hoje é tão

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