TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

101 acórdão n.º 49/20 houver controvérsia jurisprudencial ou se for seguida a jurisprudência dominante. Também nestes casos, porque são excluídos outros possíveis sentidos, há um desvio na realização do direito através de interpretação judicial. Por isso, o critério indicador dos limites à eficácia retroativa da lei fiscal interpretativa não pode ser ape- nas o da natureza constitutiva ou declarativa da lei, como resulta dos Acórdãos n. os 267/17 e 395/17, mas sim o da existência ou não de expectativas legítimas dos destinatários da lei interpretanda. Assim, a determinação do alcance da retroatividade da lei interpretativa deve ter como ponto de partida a interpretação da declara- ção, feita pelo legislador, de que certa norma tem caráter interpretativo. 2. Com efeito, o facto de o legislador dar a conhecer que procurou com essa lei interpretar lei anterior, não é bastante para emprestar à lei, mesmo só juridicamente, natureza interpretativa. Se a lei fosse interpreta- tiva simplesmente porque como tal se denomina, sempre surgiria o problema de saber se a declaração formal do legislador não constituiu uma maneira indireta de atribuir efeito retroativo a uma disposição nova. Preci- samente porque, quanto ao domínio no tempo, se reconhece às leis interpretativas eficácia jurídica idêntica à das respetivas leis interpretadas, em que se integram e, por isso, em absoluto substituem, não está excluída a possibilidade do legislador publicar leis supostamente interpretativas, e como tal por ele qualificadas, para dissimular o caráter retroativo que pretende dar a uma nova lei. É por isso que, quando a Constituição proíbe expressamente o recurso, por parte do legislador, à retroa- tividade das leis, como se verifica nos artigos 18.º, n.º 3, 29.º, n.º 1 e 103.º, n.º 3, é lícito ao julgador negar à lei o caráter interpretativo que o legislador lhe atribui. Uma lei aparentemente interpretativa pode na realidade ser inovadora, e portanto inconstitucional deverá dizer-se a sua aplicação retroativa, por contrária ao disposto nos referidos preceitos constitucionais. Como aos tribunais é permitido apreciar a constituciona- lidade material das normas jurídicas (artigo 204.º da CRP), pertence aos juízes verificar se uma lei interpre- tativa na forma o é igualmente quanto ao fundo, já que o poder legislativo de interpretação não pode atuar em termos de produzir efeitos contrários a princípios constitucionais. Daí a necessidade de um critério que permita definir as leis verdadeiramente interpretativas e distingui- -las das leis apenas qualificadas como tais pelo legislador. O critério da distinção entre leis interpretativas e leis inovadoras reveste de maior importância em face do problema da aplicação das leis no tempo, dada a relevância do princípio de proteção da confiança e dos limites à retroatividade das normas que dele decor- rem, assim como o disposto nos artigos 12.º e 13.º do Código Civil. Ora, como refere J. Batista Machado, o critério desta distinção há de seguramente definir-se de acordo com a razão de ser da «retroatividade» das leis interpretativas: «Fundamentalmente, a retroação destas leis justifica-se, além do mais, por não envolver uma violação de quaisquer expectativas seguras e legítimas dos interessados. Estes podiam contar com a solução fixada na LN interpretativa, visto ela corresponder a um dos vários sentidos atribuídos já pela doutrina e pela jurisprudência à LA»; pode consequentemente dizer- -se que «É de sua natureza interpretativa a lei que, sobe um ponto em que a regra de direito é incerta ou controvertida, vem consagrar uma solução que a jurisprudência, por si só, poderia ter adotado». Portanto, para que uma lei seja realmente interpretativa são necessários dois requisitos: (i) que «intervém para decidir uma questão de direito cuja solução era controvertida ou incerta no domínio de vigência da LA», (ii) que consagra «uma solução a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado no domínio da legislação anterior» (J. Batista Machado, Sobre a Aplicação no tempo do novo Código Civil. Almedina, 1968, págs. 286 e 287; e Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pp. 246 e 247).  3. A Constituição não impede que o poder de interpretação das normas legais possa ser exercido por quem as editou: se o legislador pode criar e revogar uma lei, por maioria de razão a poderá interpretar. Ainda que o sentido da lei interpretativa tenha por fundamento critérios de conveniência político-jurídica, não está excluída a hipótese da intenção determinante ter sido a de fixar à lei interpretada um dos sentidos que a jurisprudência também só por si poderia ter adotado no quadro da sua atividade hermenêutica jurídica. Com

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