TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
96 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL terem planeado, de estarem a cometer, ou terem cometido um ato terrorista, ou de estarem, de algum modo, envolvidas nessa infração (TJUE Tele 2 n.º 119, TEDH Zakharov v. Russia , §260). A ausência ou indeterminação normativa desses pressupostos possibilita intervenções restritivas em situa ções cuja potencialidade lesiva não obriga à adoção de medidas preventivas. A possibilidade de se tomarem medidas preventivas sem especificação das condições substanciais do seu exercício, constituiria um agravo imprevisível para os cidadãos, sem qualquer compensação de certeza e segurança. Como refere Reis Novais, «uma restrição de contornos não antecipadamente bem firmados alarga potencialmente a margem de atuação restritiva dos poderes constituídos a um plano não consentâneo com o princípio de repartição de Estado de Direito e de proibição do excesso e gera efeitos inibitórios no lado do exercício das liberdades» ( Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 192). A norma do artigo 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017 versa sobre matéria de reserva de lei parlamentar: direitos, liberdades e garantias [artigos 165.º, n.º 1, alínea b) , e 18.º n.º 2, ambos da Constituição]. Nestas matérias, designadamente no domínio utilização da informática relativamente ao tratamento de dados pes- soais, a lei deve prever e prescrever de forma clara e precisa o quadro de circunstâncias em que as interven- ções restritivas podem ser tomadas, não podendo ser redigida em termos tão latos que possa ser interpretada como incluindo, na sua previsão, a liberdade de escolha dos pressupostos que justificam a necessidade da intervenção. Uma lei vaga, imprecisa e demasiado abrangente converteria as medidas restritivas em arbítrio, por ausência de critérios objetivos quanto à razão de ser da sua utilização. Tanto mais que, neste caso, o acesso aos dados de tráfego representa uma intromissão sem que os res- petivos titulares tenham conhecimento do facto nem dele se apercebam, ou sem que possam reagir durante a sua execução, ou mesmo no seu termo, já que dele não são notificados, nem se prevê quaisquer atos ou procedimentos que permitam o conhecimento ou cognoscibilidade da intromissão pelos interessados, con- trariamente ao exigido pelo Tribunal de Justiça: «importa que as autoridades nacionais competentes às quais foi concedido o acesso aos dados conservados informem desse facto as pessoas em causa, no âmbito dos processos nacionais aplicáveis, a partir do momento em que essa comunicação não seja suscetível de compro- meter as investigações levadas a cabo por essas autoridades», já que essa informação é indispensável ao acio- namento por tais pessoas da proteção jurisdicional efetiva dos seus direitos neste domínio, nomeadamente o direito à retificação ou à eliminação dos dados em causa (cfr. o acórdão Tele 2 , n.º 121, e o acórdão Schrems , C-362/14, EU:C:2015: 650, n.º 95). Tal como decidiu o TEDH, no seu acórdão de 6 de junho de 2006 (caso Segrstedt – Wiberg e outros c. Suécia , pedido n.º 62332/00), «nestes casos, o risco de arbitrariedade é, naturalmente maior; porque as medidas de vigilância secreta não são suscetíveis, pela sua natureza, de ser controladas pelo público em geral nem são conhecidas dos indivíduos visados, a lei deve indicar, com precisão e suficiente clareza, o âmbito desse poder discricionário conferido às autoridades nacionais competentes, e o modo como deve ser por elas exercido, concedendo-se, assim, ao particular a defesa contra ingerências arbitrárias nos seus direitos». Não é, pois, qualquer alvo ou carência urgente de informação que legitima uma lei restritiva do direito à autodeterminação informativa dos dados de tráfego. Como se disse, a recolha de informações através de dados de internet só está em conformidade com a autodeterminação informacional quando se verificam situações face às quais seja possível um juízo material mente fundado de prognose de ocorrência do perigo para um número circunscrito de bens jurídicos de importância extrema para a comunidade, como a vida, corpo e a liberdade das pessoas, ou a segurança do Estado de direito. O princípio da proporcionalidade impõe que o Estado invoque uma situação de perigo previsível, concreta e de verificação altamente provável, justificando os juízos de prognose através da identi- ficação normativa da situação fáctica que está na origem do perigo, a possibilidade de ocorrência de eventos lesivos num prazo próximo e a relação da situação de perigo com pessoas determinadas. Todavia, os enunciados normativos retirados do artigo 4.º em articulação com o preceituado no artigo 6.º da Lei Orgânica n.º 4/2017 não respondem a estas exigências. Tal como estão formulados os pressu postos da intromissão, existe a possibilidade de acesso a esses dados em situações indefinidas, em eventos de
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