TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
83 acórdão n.º 464/19 o direito a conhecer a finalidade a que se destinam os dados é «um direito à autodeterminação sobre infor- mações referentes a dados pessoais que exige uma proteção clara quanto ao «desvio dos fins» a que se desti- nam essas informações. Daí as exigências jurídico-constitucionais relativas às finalidades das informações: (1) legitimidade; (2) determinabilidade; (3) explicitação; (4) adequação e proporcionalidade; (5) exatidão e atualidade; (6) limitação temporal (cfr. ob. cit. Vol. I, pp. 552 e 553). Acresce que as pessoas têm não apenas o direito de saber o que a seu respeito consta dos registos infor- máticos, mas também o direito de que esses dados sejam salvaguardados contra a devassa ou difusão. Por sua vez, este último direito engloba vários direitos específicos: (a) a proibição de acesso de terceiros a dados pessoais (artigo 35.º, n.º 4, da Constituição); (b) proibição da interconexão de ficheiros de bases e bancos de dados pessoais (artigo 35.º, n.º 2, da Constituição). Isto mostra claramente que a consagração constitucional da proteção de dados pessoais constitui um instrumento do livre desenvolvimento da pessoa humana numa sociedade democrática e uma condição para o gozo da liberdade e da afirmação da identidade pessoal. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, «o conjunto de direitos fundamentais relacionados com o tratamento informático de dados pessoais arranca de alguns «direitos-mãe» em sede de direitos, liberdades e garantias. É o caso do direito à dignidade da pessoa humana, do desenvolvimento da personalidade, da integridade pessoal e da autodeterminação informativa. O enunciado «dados pessoais» exprime logo a estreita conexão entre estes direitos e o respetivo tratamento informático; podendo afirmar-se que quanto mais os dados relacionam a dignidade, a personalidade e a autodeterminação das pessoas, tanto mais se impõem restrições quanto à sua utilização e recolha (banco de dados). É neste contexto que se situam dois problemas fundamentais relativos ao processamento de dados informáticos: (1) determinação das categorias de dados; (2) graduação das ingerências necessárias à proteção de outros bens constitucionais» ( ob. cit. Volume I, ob. cit. , p. 550). Pode, na verdade, afirmar-se que o segredo dos dados pessoais e o poder de controlo do sujeito sobre os mesmos constituem uma garantia do direito ao livre desenvolvimento da personalidade enquanto possibili- dade de «interiorização autónoma» da pessoa ou o direito a «autoafirmação» em relação a si mesmo, contra quaisquer imposições heterónomas (de terceiros ou dos poderes públicos). Este direito à «autoafirmação» dá guarida a vários «direitos de personalidade inominados», mesmo que não especificamente positivados na Constituição, como por exemplo, o direito aos documentos pessoais e o direito à autodeterminação infor- mativa quanto a dados pessoais constantes de ficheiros manuais ou informáticos, o direito à confidenciali- dade de dados pessoais constantes de atos ou decisões públicas respeitantes ao estado civil, o direito de não ser espiado no desenvolvimento de atividades lícitas (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Vol. I, ob. cit. , pp. 464-465). Por outro lado, como refere Filipa Urbano Calvão: «Enquanto modo de garantir a privacidade, afirma- se ainda como instrumento de garantia da liberdade (liberdade de ação, de expressão, de pensamento) e de desenvolvimento da personalidade de cada um e da livre participação na sociedade. Nessa medida, é ainda imprescindível para assegurar a própria democracia, no sentido de aí ser reconhecido um espaço próprio de pensamento e de escolhas, livre de influências e pressões externas públicas e privadas» (cfr. ob. cit. , p. 88). Na forma específica de proibição de acesso por terceiros, o direito à proteção de dados apresenta-se como um direito de garantia de um conjunto de valores fundamentais individuais – a liberdade e a privaci- dade – bens jurídicos englobados na autodeterminação individual, abrangendo duas dimensões: a dimensão negativa ou de abstenção do Estado de ingerência na esfera jurídica dos cidadãos e a dimensão positiva enquanto função ativa do Estado para prevenir tal ingerência por parte de terceiros. Na vertente da proi- bição de tratamento de dados pessoais suscetíveis de gerar discriminação, este direito fundamental está ainda diretamente ligado à garantia da igualdade entre os cidadãos, «(…) demonstrando que a proteção de dados pessoais não tem em si mesmo apenas um objetivo de tutela da privacidade, mas também uma importante função social de garantia da igualdade» (cfr. Filipa Urbano Calvão, ob. cit. , p. 90). Verifica-se, assim, que existe uma forte interação entre as normas constantes do artigo 35.º e os direitos fundamentais consagrados no artigo 26.º da Constituição. As normas do artigo 35.º são enriquecidas no
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