TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
82 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do processo penal para a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos suspeitos de prática de um crime. Mesmo considerando a hermenêutica jurídica particular da interpretação constitucional, que confere ao intérprete uma maior liberdade, em face do argumento literal, do que a normalmente atribuída ao intér- prete do direito ordinário, o conceito jurídico-constitucional de processo penal reveste-se de um significado unívoco e determinado, que não consente o grau de flexibilização ou de evolução, por via interpretativa, típico dos conceitos constitucionais abertos e plurissignificativos. 10. A tutela constitucional da autodeterminação informativa A autodeterminação comunicativa, estando correlacionada com a autodeterminação informativa e sobrepondo-se parcialmente à mesma, todavia, não deixa de dela se distinguir. Como se deixou claro no Acórdão n.º 403/15: «O objeto de proteção do direito à autodeterminação comunicativa reporta-se a comunicações individuais efe- tivamente realizadas ou tentadas e só essas é que estão cobertas pelo sigilo de comunicações. Naquele outro direito protege-se as informações pessoais recolhidas e tratadas por entidades públicas e privadas, cuja forma de tratamento e divulgação pode propiciar ofensas à privacidade das pessoas a que digam respeito» (cfr. o respetivo ponto 13) 10.1. Com efeito, o artigo 35.º da Constituição institui “um direito fundamental à autodeterminação informativa, traduzido num conjunto de direitos relacionados com o tratamento automático das infor- mações pessoais dos cidadãos, que visam, simultaneamente, protegê-las perante ameaças de recolha e de divulgação, assim como de outras utilizações possibilitadas pelas novas tecnologias, e, também, assegurar aos respetivos titulares um conjunto de poderes de escolha nesse âmbito” (Catarina Sarmento e Castro, “40 Anos de “Utilização da Informática” – O artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa”, in e-Pública, vol. 3, n.º 3, dezembro 2016, pp. 42-66). Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, «A fórmula tratamento abrange não apenas a individualiza- ção, fixação e recolha de dados, mas também a sua conexão, transmissão, utilização e publicação. O enun- ciado linguístico dados é o plural da expressão latina datum e está utilizado na Constituição no sentido que hoje lhe empresta a ciência informática: representação convencional de informação, sob a forma analógica ou digital, possibilitadora do seu tratamento automático (introdução, organização, gestão e processamento de dados)» ( Constituição da República Portuguesa Anotada , Volume I, ob. cit. , p. 550). No âmbito da utilização da informática, as normas contidas no artigo 35.º da CRP reconhecem «o direito a conhecer a informação que sobre cada um de nós é tratada, e que se traduz, no essencial, no direito de saber que dados pessoais estão a ser recolhidos, utilizados conservados, comunicados e para que finalidade, e ainda por quem estão a ser tratados – o quê, por quem, para quê? – de modo a permitir aos cidadãos deter ou retomar o controlo sobre os seus dados. A este conjunto de pretensões jurídico-subjetivas, refletidas no n.º 1 do artigo 35.º, a doutrina portuguesa, por inspiração germânica, chamou direito à autodeterminação informativa, o qual, em certa medida, abrange ainda o direito à retificação ou atualização dos dados, ainda que esta seja já uma dimensão subjetiva que pressupõe a concretização daquelas dimensões» (cfr. Filipa Urbano Calvão. «O direito fundamental à proteção dos dados pessoais e a privacidade 40 anos depois», in Jornadas nos quarenta anos da Constituição da República Portuguesa, Impacto e Evolução , Universidade Católica Editora, Porto, 2017, p. 89). O direito à autodeterminação informativa confere assim a cada pessoa o direito de controlar a infor- mação disponível a seu respeito, desdobrando-se em vários direitos: « a) o direito de acesso, ou seja o direito de conhecer os dados constantes de registos informáticos, quaisquer que eles sejam (públicos ou privados); b) o direito ao conhecimento da identidade dos responsáveis, bem como o direito ao esclarecimento sobre a finalidade dos dados; c) o direito de contestação, ou seja o direito à retificação dos dados e sobre identidade e endereço do responsável; d) o direito de atualização (cujo escopo fundamental é a correção do conteúdo dos dados em caso de desatualização); e) finalmente, o direito à eliminação dos dados cujo registo é interdito»; e
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