TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

526 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL decidido pelo Tribunal Constitucional naquele aresto ser transpostas, mecanicamente, para a solução do presente dissídio. 62. Na verdade, e distintamente do defendido pelo M.mo decisor a quo , a circunstância de, no caso que nos ocupa, a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade é invocada se reportar à notificação do requerido efe- tuada – apenas e de imediato através de carta enviada por via postal simples com prova de depósito, sem qualquer prévia tentativa de notificação por contacto pessoal – no domicílio contratualmente convencionado e não, como ocorria no caso decidido pelo Acórdão n.º 222/17, numa qualquer morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, ainda que seguida do subsequente envio de cartas, por via postal simples, para todas as moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, revela-se, do ponto de vista jurídico-constitucional, medularmente diferente e induz uma resposta necessariamente discrepante. 63. Efetivamente, em ambas as situações o legislador faz depender a validade da notificação de uma ficção legal ilidível, qual seja, a de que o destinatário do ato comunicacional – o requerido – na sequência do mencionado envio da referida carta, por via postal simples com prova de depósito, toma efetivo conhecimento da pendência da injunção destinada a exigir o cumprimento de uma obrigação pecuniária, bem como do início do prazo para deduzir oposição à pretensão do requerente. 64. Porém, se é certo que no caso tratado pelo Acórdão n.º 222/17 as presumíveis moradas do requerido, nas quais a notificação, por via postal simples com prova de depósito, foi efetuada, resultam de indicação do requerente ou, subsidiariamente, de pesquisa nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, consequentemente, sem qualquer contributo ou colaboração do requerido, já na situação que agora nos interpela, a morada na qual foi efetuada a comunicação é a do domicílio contratualmente convencionado para efeito de notificações, ou seja, o local voluntariamente escolhido pelo requerido, em acordo com o requerente, para receber toda a correspondência, judicial ou extrajudicial, nomeadamente ‘para efeitos de receção de citações ou notificações judiciais’, relacionada com o negócio celebrado entre ambos. 65. Ou seja, enquanto no primeiro cenário descrito (o apreciado pelo Acórdão n.º 222/17) os contratantes, e particularmente o requerido, nada acordaram sobre a eventual eleição de um domicílio para efeito de recebimento de citações ou notificações, no segundo – o que agora se escrutina –, ambos os contratantes, designadamente o requerido, identificaram, comunicaram e vincularam-se a receber as mencionadas comunicações nas moradas que escolheram livremente, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405.º, do Código Civil, corolário do mais abrangente princípio da autonomia privada. 66. Perante o exposto, afigura-se-nos indiscutível inferir que a livre celebração de um contrato por via do qual se convenciona um domicílio para efeito de notificações representa uma manifestação da liberdade contratual e, consequentemente, do princípio da autonomia privada (quer na sua dimensão de liberdade de celebração, quer na de liberdade de estipulação), quanto a ambos os contratantes, cabendo-nos, por isso mesmo, apurar se o reconheci- mento daquele direito se revela suscetível de colidir, no caso concreto, com quaisquer outros direitos fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos, identificando tais direitos ou interesses e ponderando quais as medi- das da limitação ou compressão que cada um deve sofrer. 67. Acontece que, conforme verificámos anteriormente, o M.mo decisor a quo considerou, ao menos expli- citamente, que a interpretação normativa desaplicada violaria o ‘princípio da proporcionalidade, na vertente do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, inscrito no artigo 20.º da Constituição’. 68. Ora, tal afirmação merece desde logo que, atento o conteúdo do Acórdão n.º 222/17, do Tribunal Cons- titucional e o leitmotiv da decisão impugnada –, apuremos se, no caso vertente, é defensável que o parâmetro de constitucionalidade supostamente violado seja, exclusivamente, o ‘princípio da proporcionalidade, na vertente do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito’ ou se, à semelhança do sustentado naquele aresto, o parâmetro convocável é, diferentemente, ‘o princípio do contraditório e da proibição da indefesa, contidos no princípio mais vasto do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa’.

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