TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

367 acórdão n.º 503/19 mas também a injunção constitucional de que a detenção seja “submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coação adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa”, como resulta do artigo 28.º, n.º 1, da Constituição. No caso sub judicio , cumpre salientar que a questão decidenda se distancia, na sua essência, das que foram consideradas nos arestos citados, sendo patente a assimetria normativa entre o objeto do presente recurso de constitucionalidade e os referidos critérios normativos sindicados e sancionados por este Tribunal, porquanto e em bom rigor, o recorrente não contesta a suficiência dos factos que lhe foram comunicados em aplicação do disposto no artigo 141.º, n.º 4, do CPP, para sobre eles poder defender-se perante a detenção e a aplicação da medida de coação, mas sim a possibilidade de, na acusação do Ministério Público, serem incluídos factos concretos com os quais o arguido não foi confrontado durante o inquérito. 9. A lei adjetiva penal inclui o interrogatório no âmbito do inquérito como um momento obrigatório, inde- pendentemente da detenção do arguido, permitindo, assim que o arguido, ainda nessa fase, seja confrontado com factos e elementos colhidos no âmbito da investigação relevantes para a decisão de acusação ou de arquivamento do inquérito, para que sobre eles possa pronunciar-se, em conformidade, necessariamente, com o princípio cons- titucional consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição.  Existindo detenção do arguido, a exigência constitucional, ao nível das garantias de defesa, é bem mais rigo- rista, porquanto impõe, desde logo, a apresentação do detido à autoridade judicial competente para que este seja interrogado como arguido, interrogatório esse que visa reduzir ao mínimo possível os riscos de uma privação ilegal de liberdade, exigindo-se, logo nesse momento, a obtenção de um juízo judicial sobre a legalidade/ilegalidade da detenção e a definição da situação processual futura do arguido –  artigos 27.º, n.º 4, 28.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição. Nesse contexto específico e como se afirma no Acórdão n.º 607/03, “o interrogatório está [aqui] predestinado essencialmente para o arguido apresentar, de viva voz ou por escrito, a sua defesa”, reconhecendo a Constituição ao detido esse específico direito relativamente aos factos e razões que determinam a sua detenção. Trata-se, neste caso, de um interrogatório essencialmente garantístico, conformado de modo a garantir ao arguido detido uma defesa efetiva perante as razões que justificam a detenção, impondo-se, nessa medida, que lhe sejam dados a conhecer os elementos suficientemente indiciadores da responsabilidade penal já existentes no inquérito e, obviamente, os pressupostos da aplicação da medida de coação promovida pelo Ministério Público (cf. Germano Marques da Silva, “Sobre a liberdade no processo penal ou do culto da liberdade como componente essencial da prática democrática”, em Liber discipulorum para Figueiredo Dias , Coimbra, 2003, p. 1372). Ainda assim, mesmo neste âmbito, não será exigível que ao arguido seja dado um conhecimento total e irres- trito dos factos previamente recolhidos e dos respetivos meios de prova, devendo ponderar-se concretamente se a divulgação dos factos em causa é, ou não, passível de afetar gravemente a investigação e impossibilitar a descoberta da verdade material ou de criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime. Como se compreenderá, a realização deste “primeiro” interrogatório – ou de outros, submetidos ao mesmo regime (cf. Fábio Loureiro, “O primeiro interrogatório judicial do arguido detido”, em P rova Criminal e Direito de Defesa – Estudos sobre teoria da prova e garantias de defesa em processo penal , Coimbra, 2011, p. 73) – não preclude que outros sejam realizados ainda no âmbito do inquérito, como se prevê no artigo 144.º do CPP, os quais, no entanto, por não terem a mesma funcionalidade constitucional e não se destinarem à defesa de uma privação de liberdade, não gozam do mesmo regime garantístico, não existindo, v. g. , obrigatoriedade quanto à sua realização, nem definição de momento em que tal deva ocorrer. Desde logo, não é constitucionalmente imposto que o arguido seja ouvido sempre que um novo facto ou ele- mento probatório seja incorporado no inquérito ou que tenha de existir um interrogatório no encerramento do inquérito que, a título de “audiência pré-final” (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal , 4.ª edição, Lisboa, 2007, p. 733), dê previamente a conhecer ao arguido todo o conteúdo fáctico da acusação.

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