TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

366 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (…) Relativamente à fase do inquérito, e contra a conceção desta primeira fase do processo como não contra- ditória, escrita e secreta, o CPP releva também aí o princípio do contraditório, ainda que de forma limitada: nos termos do artigo 61.º, n.º 1, alíneas a) , b) e f ) , o arguido goza do direito se estar presente em todos os atos processuais que diretamente lhe disserem respeito, de ser ouvido pelo juiz de instrução sempre que ele deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete e do direito de intervir no inquérito oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurem necessárias (…). O processo penal português não é ab initio totalmente contraditório, assim se opondo àquelas conceções que, em nome de uma estrutura processual autenticamente acusatória, defendem a extensão total do contra- ditório ao inquérito. Esta proposta, que pretende excluir de todo a existência de uma fase inicial em que se investigue a notícia do crime sem participação contraditória do sujeito, se bem que aparentemente protetora, na máxima medida, dos direitos fundamentais dos cidadãos, pode vir a prejudicar, tanto o interesse público na repressão da criminalidade, como o interesse do arguido no seu bom nome e reputação e em que a paz jurídica não seja posta em causa senão em face de uma suspeita com um mínimo razoável de fundamento”. Aliás, dos próprios termos da Lei Fundamental, bem explícitos no n.º 5 do seu artigo 32.º, decorre a inexistên- cia de uma imposição constitucional de uma genérica audição contraditória do arguido durante a fase do inquérito, uma vez que apenas os atos instrutórios que a lei determinar ficam subordinados ao princípio do contraditório. Não é assim, no entanto, nos casos em que exista detenção do arguido, nos quais o contraditório constitui exigência ineliminável perante os artigos 27.º, n.º 4, e 28.º, n.º 1, da norma normarum, onde se estabelece a imperatividade constitucional da comunicação ao detido das causas que determinaram a detenção, de modo a conferir-lhe oportunidade de defesa, sendo que este regime acaba por ser essencialmente motivado perante os direitos fundamentais aí afetados. Essa mesma justificação encontra-se clarificada nos Acórdãos n. os 416/03 e 607/03 (disponíveis, como todos os adiante referidos em www.tribunalconstitucional.pt ) que se debruçaram sobre as garantias dos arguidos durante a fase de inquérito em processo penal, ponderando, principaliter, a matéria do interrogatório judicial de arguido detido, tomando em consideração o disposto no artigo 141.º, n.º 4, do CPP. No primeiro, o Tribunal julgou «inconstitucional, por violação dos artigos 28º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP, a norma do n.º 4 do artigo 141º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que, no decurso do interrogatório de arguido detido, a “exposição dos factos que lhe são imputados” pode consistir na formulação de perguntas gerais e abstratas, sem concretização das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram os factos que integram a prática desses crimes, nem comunicação ao arguido dos elementos de prova que sustentam aquelas imputações e na ausência da apreciação em concreto da existência de inconveniente grave naquela concre- tização e na comunicação dos específicos elementos probatórios em causa». Idêntico juízo foi formulado no Acórdão n.º 607/03 quanto à norma «extraída dos artigos 141.º, n.º 4, e 194.º, n.º 3, do CPP, segundo a qual, no decurso de interrogatório de arguido detido, a “exposição dos factos que lhe são imputados” e dos “motivos da detenção” se basta com a indicação genérica ao arguido do que é acusado (da prática de relações sexuais), do momento temporal dos factos (de 1998 a 2003), da identidade das vítimas como alunos, à data, da B. e outros, mas todos menores de 16 anos, estando o tribunal dispensado, por inutilidade, de proceder a maior pormenorização além da que resulta da indicação feita em tais termos quando o arguido confrontado com ela tome a posição de negar os factos». Em ambos os arestos estava essencialmente em causa o conteúdo do interrogatório quanto à comunicação ao arguido dos factos subjacentes à detenção e dos elementos indiciadores dos factos imputados ao arguido, tendo o Tribunal sancionado que a exposição dessa factualidade assumisse “um grau de generalidade demasiado extensa, difusa e imprecisa” sem concretização das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os factos ocorreram, por tal determinar uma impossibilidade do arguido de exercer o seu direito de defesa e de contraditar os factos cons- tantes do processo e que determinaram a detenção do arguido e, na sequência, a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, tendo em conta não apenas o parâmetro constante do n.º 1 do artigo 32.º da norma normarum,

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=