TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

155 acórdão n.º 464/19 7. A Lei Orgânica assegura a intervenção do Ministério Público durante o processo (n.º 1 do artigo 1.º) – não como seu responsável, mas sim como terceiro imparcial, fiscal da legalidade e detentor da ação penal, numa lógica de equilíbrio de checks and balances . É neste contexto que a autorização de acesso aos dados, a transmissão dos dados, o cancelamento de acesso aos dados, a sua destruição e a recolha de indícios da prática dos crimes de terrorismo e espionagem, devem ser obrigatoriamente comunicados ao Procurador-Geral da República «para os devidos efeitos» (n.º 2 do artigo 5.º, o n.º 1 do artigo 11.º, o n.º 4 do artigo 12.º e o artigo 13.º). Não se compreende, por conseguinte, a crítica apontada no Acórdão à escassez de definição dos poderes do MP. 8. O Acórdão espraia-se numa argumentação circular que não consegue ultrapassar a mera petição de princípio quando afirma que o presente procedimento não pode ter-se por materialmente equivalente ao pro- cesso penal porque «não se destina a investigação ou produção de prova no âmbito de um processo penal em curso» (ponto 11.1.2.) ou porque tem lugar «fora de um processo criminal devidamente formalizado» (ponto 11.2.3.). Na verdade, os únicos elementos caracterizadores do regime do processo penal que o Acórdão iden- tifica para justificar aquilo que considera constituir uma distância irredutível para o procedimento de acesso aos dados pelos Serviços de Informações da República Portuguesa previsto no regime em análise saldam-se, afinal, na regra da publicidade do processo penal e nas garantias constitucionais do arguido. Todavia, como o próprio Acórdão admite, na fase inicial do inquérito criminal inexiste arguido, sendo que é precisamente nesta fase que decorre à revelia do arguido – e, por conseguinte, sem o seu conhecimento – que têm lugar a os métodos de ocultos de obtenção de prova onde se insere a possibilidade de acesso a dados de telecomunicações e Internet . Ou seja, em ambos os casos o acesso aos dados ocorre sem a constituição como arguido da pessoa em causa. Assim, longe de evidenciarem qualquer diferença inultrapassável, aqueles elementos caracterizadores demonstram a semelhança substancial que aproxima os dois procedimentos. Não se ignora que a subsequente constituição de arguido no inquérito criminal é obrigatória diante da recolha de fundadas suspeitas, de crime, proporcionando – em regra – a partir desse momento o acesso aos autos bem como um leque de direitos e deveres processuais, designadamente, o direito de intervenção no inquérito e na instrução e o direito a recorrer de decisões desfavoráveis. Porém, e diferentemente do que vem sustentado no Acórdão, a constituição do arguido no processo penal não assegura a tutela jurídica efetiva e integral de todos os afetados pela restrição de direitos fundamentais que o acesso aos dados de comunica- ções necessariamente comporta. Desde logo, porque o lesado pela medida pode nunca vir a ser constituído arguido no processo. Seja como for, certo é que não está ao alcance dos visados pelas medidas ocultas de obtenção de prova que implicam ingerências em direitos fundamentais realizadas no inquérito criminal qualquer meio de tutela especificada que vise a sua revogação, cancelamento ou que garanta sequer o seu conhecimento. A proibição de prova tem uma incidência marcadamente processual; não constitui meio de tutela direta ou imediata dos direitos sacrificados por medidas de investigação. De todo o modo, cumpre ainda assinalar que mesmo o já referido RGPD, diretamente aplicável na nossa ordem jurídica, quando prevê os requisitos das medidas legislativas que limitem o alcance das obriga- ções e dos direitos nele previstos, designadamente para fins de segurança do Estado, defesa, segurança pública ou prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais, incluindo a salvaguarda e a prevenção de ameaças à segurança pública [artigo 23.º, n.º 1, alíneas a) , b), c) e d) , do RGPD], prevê como exceção ao direito dos titulares dos dados serem informados do acesso as situações em que tal possa prejudicar o objetivo da limitação [artigo 23.º, n.º 2, alínea h) , do RGPD]. Claramente que esta exceção seria aplicável no âmbito do regime em análise, tendo em conta os fins prosseguidos. Assim, neste caso, existe a possibilidade de afas- tamento do direito de ser informado. 9. Diferentemente do Acórdão, concluí, pois, que em todos os domínios relevantes se verifica uma equivalência clara entre o regime objeto de fiscalização (do procedimento de acesso aos dados de tráfego

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