TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

154 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 5. Todavia, a dimensão orgânico-funcional de jurisdição não dispensa um procedimento específico regulado e dirigido à prolação de uma decisão vinculativa e independente. Por conseguinte, verdadeiramente decisivo será – isso sim – averiguar se o regime jurídico previsto concretiza as exigências constitucionais que importa assegurar em ordem a garantir a proteção adequada dos direitos dos visados. Ora, na Lei Orgânica em análise, o legislador definiu todo um procedimento para a concessão do acesso aos dados pelo Sistema de Informações da República Portuguesa, onde estabelece os critérios de decisão que o decisor tem de respeitar. O acesso aos dados encontra-se definido de forma detalhada no artigo 11.º, com as garantias decorrentes da sujeição a controlo judicial (artigo 12.º) e regulando o artigo 14.º a forma como o tratamento dos dados comunicados deve ocorrer. O pedido destinado a obter autorização judicial deve precisar a «identificação da pessoa ou pessoas, caso sejam conhecidas, envolvidas nos factos referidos (…) e afetadas pelas medidas pon- tuais de acesso requeridas» [alínea c) do n.º 2) do artigo 9.º]. As providências de recolha de dados só podem ser feitas «com base numa suspeita concreta e individualizada» (n.º 3 do artigo 9.º). Os fins da concessão do acesso aos dados de tráfego encontram-se expressamente delimitados, desti- nando-se exclusivamente a prevenir categorias específicas de crimes – a espionagem e o terrorismo (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º) no que respeita aos dados e tráfego, e, no que respeita aos dados de base e de localização, à salvaguarda da defesa nacional, da segurança interna e da prevenção de atos de sabotagem, espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente organizada, no âmbito das atribuições do SIS e do SIED (artigo 3.º). As condições de acesso estão legalmente determinadas através de critérios específicos para aferir a neces- sidade, em cada caso concreto, do acesso aos dados [o n.º 1 do artigo 6.º dispõe que o pedido de acesso só pode ser autorizado quando houver razões para crer que a diligência é necessária, adequada e proporcional «para a obtenção de informação sobre um alvo ou um intermediário determinado», na sua alínea a) , ou «para a obtenção de informação que seria muito difícil ou impossível de obter de outra forma ou em tempo útil para responder a situação de urgência», na sua alínea b) ]. A duração do acesso é determinável e limitada, pois a possibilidade de prorrogação do prazo máximo inicial de 3 meses apenas pode ocorrer uma única vez e encontra-se sujeita ao mesmo limite temporal do prazo inicial [alínea d) do n.º 2 do artigo 9.º]. A Lei contempla ainda a existência de um prazo para a manutenção ou eliminação obrigatória dos dados recolhidos, embora remeta a determinação desse prazo para regulamento administrativo (n.º 4 do artigo 14.º). 6. É de assinalar que o recurso a conceitos indeterminados na previsão das normas que estabelecem o procedimento de autorização do acesso aos dados visados pelo Sistema de Informações da República Por- tuguesa replica a técnica usada nas normas que habilitam a realização no inquérito criminal de medidas de obtenção de prova que configuram ingerência em direitos fundamentais, o que corrobora as semelhanças entre os dois procedimentos (cfr., por exemplo, o regime em análise com o artigo 187.º, n.º 1, do CPP: «A interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter»). Pode concluir-se que os parâmetros legais estabelecidos para a autorização judicial de uma medida restritiva de direitos fundamentais no âmbito de um inquérito no contexto do processo penal se caracterizam por alguma indeterminação. O que não pode é afirmar-se – sem incorrer em flagrante incoerência – que essa indeterminação é aceitável aos olhos da Cons­ tituição para o controlo judicial que é confiado ao juiz de instrução no inquérito criminal, mas já não é no procedimento equivalente estabelecido nas normas da Lei Orgânica em apreciação. Afasto-me, por isso, da posição do Acórdão. A verdade é que também na base da autorização ou validação judicial de qualquer medida de investi- gação restritiva de direitos realizada no inquérito criminal encontramos apenas uma informação unilateral fornecida pelo próprio requerente da medida – o Ministério Público – que, nesse caso, acumula a condição de direta ou indiretamente ser o responsável pela investigação.

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