TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

153 acórdão n.º 464/19 das comunicações prevista no artigo 34.º, n.º 4, da Constituição («em matéria de processo criminal»). Uma tal autorização está, aliás, em consonância com outros preceitos constitucionais como o que prevê a pos- sibilidade de realização de buscas noturnas em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos previsos na lei (artigo 34.º, n.º 3, da Constituição). Compreende-se que assim seja. A par da liberdade, também a segurança constitui um valor protegido pela Constituição (artigo 27.º, n.º 1, da Constituição), tendo o Estado uma obrigação de defesa da ordem constitucional democrática. 4. Para além disso, a Lei Orgânica n.º 4/2017 veio corrigir os problemas de constitucionalidade identi- ficados no Acórdão n.º 403/15, definindo todo um procedimento de acesso aos dados de telecomunicações e de Internet sujeito a controlo judicial e autorização prévia, reservada à competência de uma «formação das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, constituída pelos presidentes das secções e por um juiz designado pelo Conselho Superior da Magistratura, de entre os mais antigos destas secções» (artigo 8.º da Lei Orgânica n.º 4/2017). Esta formação específica do Supremo foi também expressamente consagrada no artigo 47.º, n.º 4, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto), na redação que lhe foi dada pelo artigo 17.º da Lei Orgânica n.º 4/2017 – sendo, assim, expressamente considerada pelo legislador democraticamente legitimado como integrando o sistema judiciário português. Cabe a esta formação do Supremo Tribunal de Justiça garantir «a ponderação da relevância dos funda- mentos do pedido e a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos» (n.º 1 do artigo 5.º da Lei Orgânica), competindo-lhe apreciar a necessidade, adequação e proporcionalidade do pedido apresentado pelos Serviços de Informações. Cabe-lhe ainda a definição «das categorias de dados de telecomunicações e Internet a fornecer pelos operadores segundo um juízo restritivo de proibição do excesso que interdite o acesso indiscriminado a todos os dados de telecomunicações e Internet », bem como a definição «das condições de proteção do segredo profissional» (n.º 1 do artigo 10.º). Além da sujeição a autorização judicial prévia, que deve ser fundamentada, o procedimento fica sujeito ao acompanhamento permanente dos juízes no que respeita à transmissão dos dados em obediência a exigen- tes condições técnicas e de segurança (n.º 1 do artigo 11.º), controlo da validade do tratamento dos dados feito pelos Serviços de Informações (n. os 1 e 2 do artigo 12.º) e contempla a possibilidade do cancelamento a todo o momento bem como a destruição de todos os dados obtidos de forma ilegal ou abusiva, ou que violem o âmbito da autorização judicial concedida ou que sejam manifestamente estranhos ao processo (n.º 3 do artigo 12.º). O presente Acórdão classifica o processo de autorização do acesso aos dados como «uma atuação de natureza administrativa e não judicial» [ponto 11.1.2, (ii) ], daqui retirando que, apesar de representar uma evolução positiva «a transferência da discricionariedade decisória em matéria de acesso aos dados, de órgãos do SIRP para magistrados» permanece «coartada a possibilidade de defesa dos cidadãos contra a ingerência do Estado na sua esfera privada». Uma tal afirmação ignora, porém, que a razão de ser da atribuição da competência aos juízes reside precisamente na tutela preventiva dos direitos dos visados pelas medidas de ingerência em direitos fundamentais, na impossibilidade de estabelecer o contraditório, tal como acontece no inquérito criminal, em obediência à garantia constitucional prevista no artigo 32.º, n.º 4, da Constitui­ ção. Trata-se de permitir a realização de diligências de ingerência em direitos fundamentais que, de outro modo, seriam consideradas intoleráveis num Estado de direito. Mesmo quando estejam em causa atos que não revistam natureza estritamente jurisdicional, a razão de ser da atribuição das decisões que afetam direi- tos fundamentais à competência do juiz reside nas garantias de independência pessoal e objetiva que o seu estatuto lhe confere e que asseguram um modo de pensar específico do juiz (« spezifisch richterlicher Denk- weise », na designação do Tribunal Constitucional alemão) que nunca deverá perder de vista o princípio da adequação entre meios e fins bem como a proibição do excesso.

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