TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
152 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Esta orientação é confirmada pelo direito derivado da UE (como não podia deixar de ser), nome- adamente pelo artigo 1.º, n.º 3, da Diretiva relativa à privacidade e às comunicações eletrónicas (Diretiva 2002/58/CE), que estabelece, sem qualquer ambiguidade, que o seu regime «em caso algum é aplicável às atividades relacionadas com a segurança pública, a defesa, a segurança do Estado». É nesse sentido que deve ser entendido o artigo 15.º da mesma Diretiva – que estabelece a possibilidade de os Estados-Membros ado- tarem medidas legislativas para restringir o âmbito dos direitos e obrigações previstos nos artigos 5.º e 6.º, nos n. os 1 a 4 do artigo 8.º e no artigo 9.º da Diretiva, quando esta seja aplicável, sob várias condições. Uma exceção semelhante decorre do artigo 23.º, n.º 1, alíneas a) a c) , do Regulamento Geral de Proteção de Dados [Regulamento (UE) 2016/679, RGPD]. Na parte em que é atingido o âmbito do Direito da UE – de acordo com a tese sufragada no Acórdão – é de entender que a compatibilidade do regime objeto de fiscalização com este ordenamento decorre claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE (TJUE), nomeadamente do acórdão Tele 2 (ECLI:EU:C:2016:970). Conforme se decide nesse Acórdão, no que diz respeito ao tratamento de dados: «O artigo 15.°, n.º 1, da Diretiva 2002/58, (…), lido à luz dos artigos 7.°, 8.° e 11.° bem como do artigo 52.°, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que regula a proteção e a segurança dos dados de tráfego e dos dados de localização, em especial, o acesso das autoridades nacionais competentes aos dados conservados, sem limitar, no âmbito da luta contra a criminalidade, esse acesso apenas para efeitos de luta contra a criminalidade grave, sem submeter o referido acesso a um controlo prévio por parte de um órgão jurisdicional ou de uma autoridade administrativa independente, e sem exigir que os dados em causa sejam conservados em território da União». Analisando estes pontos, é de referir, desde logo, i) que as atividades focadas pelas informações em causa se enquadram no domínio da prevenção da criminalidade grave e organizada. Por outro lado, ii) existe um con- trolo prévio, nos termos aqui previstos. Relativamente à iii) permanência dos dados no território da UE, esta decorre implicitamente do regime previsto na Lei Orgânica e na Portaria que a regulamenta, nomeadamente porque o Sistema de Acesso ou Pedido de Dados aos Prestadores de Serviços de Comunicações Eletrónicas, (SAPDOC) é desenvolvido e gerido pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. (IGFEJ, I. P.), a quem caberá também a função de gestão do sistema e da respetiva credenciação de acesso. 3. Quanto ao pedido de fiscalização propriamente dito, entendeu a maioria que a norma do artigo 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017 viola o artigo 34.º, n.º 4, da Constituição no que diz respeito ao acesso aos dados de tráfego que envolvem comunicação intersubjetiva. Não acompanho esta decisão. Tal como referido no Acórdão n.º 403/15, a parte final do n.º 4 do artigo 34.º consiste numa autoriza- ção constitucional expressa para a restrição do direito fundamental à inviolabilidade das comunicações, nos «casos previstos na lei em matéria de processo criminal». Diferentemente da tese sustentada no Acórdão, entendo que o procedimento previsto para o acesso aos dados de tráfego estabelecido na Lei Orgânica n.º 4/2017 se aproxima de tal modo do estabelecido no pro- cesso penal (mais precisamente, da prática dos atos do inquérito que são reservados à competência do juiz de instrução) que pode ter-se por materialmente equivalente aos procedimentos que caracterizam uma estrutura processual penal num Estado de direito democrático nos termos exigidos na Constituição. A referida autorização constitucional é completada com a discriminação dos fins e interesses a prosseguir com a lei restritiva ou com o critério que deve balizar a intervenção do legislador ordinário. Relativamente aos fins e interesses a prosseguir, é de referir que as informações facultadas aos oficiais de informações nos termos da Lei Orgânica n.º 4/2017 se inserem no domínio da prevenção do terrorismo, da espionagem, da sabotagem, proliferação de armas de destruição maciça e da criminalidade altamente organizada. Visam reunir informações destinadas a prevenir a ocorrência de factos previstos e punidos na lei penal, designadamente em matéria de criminalidade grave e organizada, cabendo, por conseguinte, ainda no âmbito da autorização constitucional expressa para a restrição do direito fundamental à inviolabilidade
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