TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

151 acórdão n.º 464/19 Constitui esta eventualidade, induzida pelo presente julgamento, motivo sério de apreensão, revelando, como entendo que revela, certo descaso – porventura até alguma displicência – quanto à capacidade de reação do Estado português face aos evidentes fatores de perigo, persistentemente atuantes no dia a dia das nossas sociedades, induzidos pela ameaça global do terrorismo internacional e pela interferência exterior ilegítima dirigida ao normal funcionamento das instituições democráticas e contra os interesses estratégicos do país. Tudo isto justificaria um módico de abertura do Tribunal a considerar positivamente o esforço par- ticularmente responsável que o legislador parlamentar vem realizando numa matéria com os contornos de grande delicadeza que esta evidencia, cujas incidências o Tribunal Constitucional não está, porque não é essa a sua função, em condições de avaliar devidamente. Como um de nós já escreveu, e tem inteiro cabimento no presente contexto, considerações de competência funcional, ancoradas na ideia de legitimidade decisória do judiciário, apontam no sentido “[…] de os tribunais [comparativamente a outros órgãos de soberania] esta- rem mal apetrechados para a realização de certo tipo de julgamentos, nomeadamente envolvendo avaliações empíricas ou prognoses muito complexas […] ou referidos a opções sobre políticas que envolvem [a ponde- ração de elementos contingentes respeitantes ao] interesse público […]” [48]. Tudo seria diferente, obvia- mente, se as opções que ora nos confrontam, no quadro da intencionalidade que preside à regulamentação do acesso dos serviços de informações a metadados, expressassem escolhas que, num domínio de evidência, pudéssemos qualificar como fortemente intrusivas ou como totalmente desfasadas dos princípios constitu- cionais que nos regem. Estamos, porém, bem longe desse cenário – estamos, ostensivamente, perante opções legislativas que assumidamente procuraram (e logram alcançar) um muito reduzido impacto nos valores constitucionais potencialmente conflituantes. É neste contexto que divirjo profundamente da rejeição do artigo 4.º da LO 4/2017 ora afirmada pelo Tribunal. – José António Teles Pereira. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Vencida. Apesar de acompanhar a alínea b) da decisão, apenas com reservas acompanho a respetiva alínea a) . Não acompanho a alínea c) da decisão. As normas em apreciação inserem-se no regime de acesso a dados de tráfego consagrado na Lei Orgânica n.º 4/2017 – decorrendo dos artigos 3.º e 4.º da mesma Lei Orgânica. Esta lei surge na sequência do Acórdão n.º 403/15, do Tribunal Constitucional, que se pronunciou pela inconstitucionalidade do regime que se encontrava previsto para o mesmo efeito no Decreto n.º 426/XII da Assembleia da República, por violação do n.º 4 do artigo 34.º da Constituição. Gostaria de começar por fazer um ponto introdutório, relativo à relação entre esta matéria e o Direito da UE (UE), de seguida explicarei os motivos que me levaram a não acompanhar a maioria. Finalmente, exporei porque é que, face a uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, teria recorrido aos poderes atribuídos ao Tribunal Constitucional pelo artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, restringindo os seus efeitos. 2. Como ponto introdutório, antes do mais, gostava de referir que creio que a questão central colocada no presente pedido de fiscalização se prende com a apreciação da constitucionalidade das referidas normas, em especial, face ao artigo 34.º, n.º 4, da Constituição. Nesse contexto, as considerações de Direito da UE não ocupam um lugar central, por diversos motivos. Desde logo, cumpre notar que esta é uma matéria que, em princípio, se encontra reservada aos Estados- -Membros e fora do âmbito do Direito da UE. Efetivamente, o artigo 4.º, n.º 2, do Tratado da União Euro- peia estabelece de forma clara que a segurança nacional – âmbito onde nos encontramos – «continua a ser da exclusiva responsabilidade de cada Estado-Membro».

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=