TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
150 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL restrição de acesso a qualquer tipo de metadados pelos serviços de informações, num quadro de ponderação que não hesito em qualificar de exigentíssimo. Com efeito, porque o acesso previsto em 2015 já correspon- dia, como referi no voto de vencido então apresentado, a uma exigente aplicação prática do princípio da proporcionalidade, observo que com a LO 4/2017 foi essa incidência aprofundada, projetada ao extremo da utilidade destes meios de aquisição de informação de base, justificando-se a qualificação do regime agora pretendido introduzir com o uso de um superlativo – exigentíssimo – referido ao quadro limitador desta ingerência das autoridades públicas no direito ao desenvolvimento da personalidade e à reserva da intimi- dade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, da CRP) e na redução do âmbito de incidência da proibição de acesso a dados pessoais (artigo 35.º, n. os 1 e 4, da CRP). 4. Considerei em 2015, avaliando o regime então pretendido introduzir, existir uma relação suficiente- mente equilibrada entre um objetivo constitucionalmente legítimo – a prestação de segurança pelo Estado (artigo 27.º, n.º 1, da CRP; cfr. item 6. do meu voto de vencido) –, a ser alcançado por uma atuação do poder público interferente com o âmbito de proteção de direitos fundamentais, e os meios empregues para atingir esse objetivo. Está implícita nessa avaliação a asserção básica – que um texto posterior de Vitalino Canas resumiu de forma particularmente feliz – de incumbir “[…] ao legislador [a definição do] nível de eficácia pretendido, não se excluindo que seja a mais elevada [, não estando] comandada a adoção do meio disponível menos interferente […]. Prescreve-se apenas que seja [o] menos interferente entre as alternativas capazes de atingir o fim que o legislador elegeu, com a intensidade por ele pretendida […]”, solução esta que decorre “[…] do imperativo de preservar a liberdade de conformação do legislador” [46]. Vale isto por dizer que, então (em 2015), como agora (com o diploma de 2017), o legislador escolheu, num espaço de legitimidade de atuação e de eleição entre alternativas diversas passíveis de ser configuradas, o quadro geral de intensidade e de adjetivação do tipo e forma de acesso dos serviços de informações a meta- dados. Ora, não cumpre ao juiz constitucional, em qualquer dos casos, em substituição do legislador demo- craticamente legitimado, impor alternativas de intensidade (ou supostas alternativas de perfeição), quando a escolha deste se refere a um quadro substantivo e adjetivo cujo potencial restritivo já expressa uma relação equilibrada de opções valorativas referidas a uma realidade contingente sobre a qual se pretende legitima mente atuar [47]. Sucede, todavia, que nem o esforço ora empreendido pelo legislador, no sentido da adaptação do fim visado até ao limite da utilidade prática, logrou a aceitação do Tribunal Constitucional. Antes referi as particularidades que a construção argumental da questão colocada apresenta, quanto ao parâmetro de aferição constitucional convocável: o artigo 34.º, n.º 4, ou os testes de proporcionalidade referidos à interferência do acesso a metadados, aqui propiciado aos serviços de informações, com o âmbito protetivo decorrente dos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n. os 1 e 4, da CRP. Não obstante, admitindo, por hipótese, que a Assembleia da República decida no futuro eliminar a primeira variável do problema, assumindo, num processo formal de revisão constitucional, a ultrapassagem do argumento que a maioria de rejeição do artigo 4.º da LO 4/2017 encontra no inciso final – “[…] em matéria de processo criminal” – do n.º 4 do artigo 34.º da CRP, nem assim é certo que essa maioria considere possível, por referência aos fundamentos que agora esgrime, a concessão aos serviços de informações portugueses – em aberto contraste com todos os serviços europeus congéneres – de acesso a dados de tráfego. [46] O Princípio da Proibição do Excesso na Conformação e no Controlo de Atos Legislativos , Coimbra, 2017, pp. 257, 606 e 673. [47] Ibidem , pp. 857/858. [48] Gonçalo de Almeida Ribeiro, The Decline of Private Law. A Philosophical History of Liberal Legalism, Hart Publishing, Oxford, 2019, p. 267.
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