TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
149 acórdão n.º 464/19 simplesmente neutralizado pelo exigente ponto de equilíbrio estabelecido pelo legislador português, podendo afirmar-se que o regime constante da LO 4/2017 cumpre plenamente os critérios estabelecidos no acórdão Tele 2 : (i) a limitação do acesso ao âmbito da luta contra a criminalidade grave; (ii) a sujeição desse acesso a um controlo prévio por parte de um órgão jurisdicional ou de uma autoridade administrativa independente; (iii) e a garantia de conservação dos dados em território da União. 3.2.3.1. Sendo evidente o preenchimento pela LM da primeira e da segunda condições, importa subli nhar, quanto à terceira condição, que os dados recebidos, sendo integrados na base de dados do serviço recetor, não são objeto de partilha. As bases em causa não são partilhadas (artigos 41.º a 43.º da Lei n.º 9/2007, de 19 de fevereiro) com qualquer outro serviço (nem com o serviço congénere nacional) e os dados concretos, sendo objeto de processamento pela análise, integram um produto final cuja partilha, sendo controlada pelas instâncias de fiscalização do SIRP, é por estas filtrada nos termos considerados conformes ao Direito nacional e ao Direito da União, designadamente, quanto a este último, o resultante do direito do caso. Todavia, a partilha do produto informacional final não tem o significado de transferência de dados, no sentido considerado no acórdão Tele 2 , que nunca se refere a essa incidência. 3.2.3.2. Também no plano da sobreposição entre o Direito nacional e o Direito da União, quanto ao designado direito de acesso aos dados próprios, sublinha-se que as instâncias de controlo do SIRP recebem e tramitam queixas relativas às situações objeto de fiscalização, averiguando da respetiva pertinência. É certo que não existe uma notificação aos afetados, que contraditaria (e inviabilizaria) a natureza própria do traba lho de produção de informações. Todavia, para além de estar em causa uma atividade cuja potencialidade interferente é substancialmente reduzida, comparativamente à perseguição criminal (como ponderou o Tri- bunal Constitucional Alemão nos acórdãos referidos no item 2.1.2.4. do presente voto), sempre importará considerar, no plano do Direito da União, neste caso com o sentido, pelo menos, de matéria harmonizada [44] (ou mesmo, dada a natureza da fonte comunitária – um Regulamento –, de direito uniforme [45]), que o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), permite expressamente a limitação do direito de informação dos interessados, no quadro de medidas nacionais de salvaguarda e de prevenção de ameaças à segurança pública [cfr., para além do sentido do artigo 2.º, n.º 2, alínea d) , especificamente o artigo 23.º, n. os 1 e 2, alínea h) , do RGPD]. Trata-se, enfim, na LO 4/2017, comparando com a “tentativa de legislar” de 2015 sobre esta matéria, consubstanciada no Decreto n.º 426/XII, de uma previsão mais precisa da informação a que é possível aceder, com finalidades bem definidas e reconduzíveis a comportamentos identificados por referência a tipos criminais consensualmente correspondentes a criminalidade grave; acesso esse dependente de autorização judicial, protagonizada por uma formação específica de juízes do STJ; mediante critérios de estrita neces- sidade que ostentam a definição possível em matérias desta natureza; obrigando à formulação de um pedido fundamentado, com base em suspeita concreta e individualizada, sendo a recolha limitada por esse contexto; proibindo-se a interconexão em tempo real com bases de dados dos operadores de telecomunicações; com validação do tratamento dos dados e possibilidade de cancelamento a todo o tempo; e, enfim, com a sobre- posição de diversos controlos a posteriori . Temos, pois, com o regime agora inviabilizado pelo Tribunal Constitucional num seu elemento essen- cial (os dados de tráfego), um enquadramento legal particularmente densificado, acentuando fortemente a [44] Em domínios objeto de harmonização pelo Direito da União quanto ao nível de proteção – e é este o sentido da chamada jurisprudência Melloni – “[…] de um direito fundamental – i. e. , os direitos de defesa, o direito de propriedade, o direito à privacidade – os Estados-Membros carecem de poder de impor quer o nível mais elevado, quer um nível mais baixo de pro- teção […]” (Koen Lenaerts, José A. Gutiérrez-Fons, A Constitutional Perspetive, Oxford Principles of European Union Law, vol. I, eds. Robert Schütz, Takis Tridimas, Oxford University Press, Oxford, 2018, p. 110). [45] Como se indica no ponto 4.I) do voto de vencido da Conselheira Maria José Rangel de Mesquita.
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