TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
147 acórdão n.º 464/19 3.1.2. Valeu para o legislador, no assumir desta opção, o que antes se descreveu como indicação do contexto que a história (que aqui abarca um período de quarenta anos) conferiu ao trecho final limitativo constante do n.º 4 do artigo 34.º da CRP. Porque, como referimos, citando Dieter Grimm (cfr. a nota 35), “[…] nem toda a mudança de sentido requer uma revisão constitucional”, valendo as opções legislativas cuja essência atualize o sentido do que, em sede constitucional, se estabeleceu no passado. É assim que o entendimento atual que propugno relati- vamente ao trecho final do artigo 34.º, n.º 4, da CRP, não afeta a essência significativa que este, historicamente perspetivado no presente, conferiu, face a novos desafios, à proibição de ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações e demais meios de comunicação, sendo o acesso limitado e particularmente restritivo decorrente do artigo 4.º da LO 4/2017, interpretativamente compatível com esse segmento final da norma constitucional. 3.2. Ultrapassada esta questão, subsiste a necessidade de realizar, com base no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, um controlo de proporcionalidade do acesso a dados de tráfego pelos serviços integrantes do SIRP, tendo presente a interferência que esse alcance implica relativamente ao direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, da CRP) e à proteção nesse âmbito contra o uso da informática, no plano do direito de acesso aos dados pessoais próprios e de restrição do acesso aos dados pessoais por terceiros (artigos 35.º, n. os 1 e 4, da CRP). A exigência desse controlo decorre, desde logo, da previsão, no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, do confina- mento das medidas de restrição de direitos ao necessário à salvaguarda de outros direitos e interesses con- stitucionalmente protegidos, sendo essa exigência enfatizada, no plano do Direito da União, pelo TJUE no acórdão Tele 2 (referido supra no ponto 2.2.), quando estão em causa, como aqui é evidente suceder, medidas nacionais que comportam algum grau de interferência e de relativização do princípio da confidencialidade das comunicações e dos correspondentes dados de tráfego (cfr. os pontos 88 a 91 do acórdão Tele 2 ). Mesmo neste quadro [o decorrente do Direito da União (artigo 15.º, n.º 1, primeiro período da Diretiva 2002/58, na versão inicial recuperada pelo acórdão Digital Rights ) e especificamente referido aos direitos fun- damentais reconhecidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia] vale, por identidade de razão, um controlo de proporcionalidade integrado pelos testes da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, não esquecendo, aliás, que o acesso e controlo individualizado, como único tipo de acesso esta- belecido na LO 4/2017, retira, projetando-se fortemente em qualquer apreciação da potencialidade interferente do acesso a dados de tráfego, como uma clara limitação a essa incidência desvaliosa, pela eliminação do efeito de arrastão, abstrato e desprovido de bases de suspeição concretas, como o induzido por um trabalho de pesquisa direto sobre grandes bases de dados, à margem de um controlo concreto, prévio, de pertinência e de necessidade de acesso à informação visada [42]. Tudo isto são perigos que o legislador nacional, à partida, esconjurou. 3.2.1. Quanto à incidência do primeiro teste de proporcionalidade, sendo evidente a adequação do acesso a dados de tráfego pelos serviços de informações, para um cabal desempenho da tarefa de produção de informações necessárias à prevenção de atos de espionagem e do terrorismo, podemos afirmar a integração desse elemento de controlo. Assim se afasta a existência – como corresponde à essência da ideia de adequação da restrição induzida – a existência, por via do acesso autorizado, de um ato lesivo sem contribuição alguma para a realização de um fim constitucionalmente relevante. 3.2.2. No plano do controlo da necessidade da medida, ficcionando alternativas que, proporcionando o mesmo grau de satisfação do interesse público, sejam menos restritivas dos interesses afetados, deparamo- nos, no caso dos metadados, com um nível de interferência diminuto com as comunicações eletrónicas, preservadas de qualquer possibilidade de acesso ao núcleo duro representado pelo conteúdo destas. Especifi- camente quanto aos dados de tráfego, observamos a utilidade destes num quadro em que o tratamento de [42] Este aspeto, na valoração do sentido dos acórdãos do TJUE Digital Rights e Tele 2 , por Paul F. Scott, The National Security Constitution, Hart Studies in Security and Justice , Hart Publishing, Oxford, 2018, pp. 89/92.
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