TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
146 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL realidade historicamente atual – a essência assumidamente limitadora – exigentemente limitadora e justi- ficadamente desconfiada –, no plano que aqui nos interessa, da ingerência das autoridades públicas na cor- respondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação. Essa essência, que permanece atual, deve, porém, ser historicamente situada no presente, abarcando os desafios deste e captando as novas circunstâncias que modelaram essa essência ao longo de mais de quatro décadas, até ao limite onde seja possível reconhecer a presença atuante daquela ideia fundamental. Note-se que o legislador, se perspetivarmos diacronicamente a sua atuação no plano temático que aqui nos interessa – o da perspetivação da função de produção de informações, designadamente quanto aos meios de atuação dos serviços de informações – foi cautelosamente sensível aos desafios que o confrontaram. 3.1.1.2. Com efeito, a sociedade portuguesa foi atingida nas décadas de 70/80 do século passado por diversos desafios à segurança interna, protagonizados pelo fenómeno do terrorismo, tanto internacional como de âmbito doméstico. Quanto à primeira dimensão (terrorismo internacional), cabe salientar, no final dos anos 70 e começo dos anos 80, de um ciclo de ações, iniciado em novembro de 1979 com um atentado, que causou vítimas mortais, ao Embaixador de Israel em Portugal, prolongando-se esse ciclo até julho de 1983, com o ataque por um grupo arménio à Embaixada da Turquia (que provocou 7 mortos) [40]. Config- urando terrorismo doméstico – descontando os fenómenos anteriores a 1976 (rede bombista) –, foi a socie- dade portuguesa atingida na década de 80 pela atuação de um grupo terrorista nacional, as designadas Forças Populares 25 de abril (FP/25). Traduziu-se isso, como sempre sucede naquilo que usualmente se qualifica como “refluxo revolucionário”, num desvio para a “ação direta” de alguns dos “perdedores” (a franja mais radical deles) do conturbado processo de transição democrática portuguesa, numa espécie de reprodução tardia de um fenómeno que nos anos 70 do século XX foi visível em Itália, nas “Brigadas Vermelhas”, e na República Federal Alemã, com a “Fração do Exército Vermelho” [41]. Note-se que a criação do SIRP, e concretamente a instalação do SIS em 1984, como primeiro serviço de informações civil subsequente ao 25 de abril (ultrapassando a produção de informações atinentes à segurança interna pelas estruturas militares, sem enquadramento legal), ocorreu, consequencialmente, a culminar a sucessão de eventos acabados de relatar. Todavia, porque as manifestações desse fenómeno sempre se tra- duziram na prática concreta de crimes, o elemento reativo passou, como não podia deixar de suceder, pela perseguição penal. A isto acresceu o caráter limitado desses fenómenos (episódicos e situados num espaço temporal pequeno) e a sua ultrapassagem, sem que eles revelassem uma necessidade imediata de configurar um plano de atuação diverso para os serviços de informações. A necessidade de revisitar este cenário só teve lugar no início deste século (a partir de 2001), com o 11 de setembro e a perceção do caráter global da ameaça que esse evento patenteou. Embora se tenha revelado, nesse contexto, um fenómeno radicado no passado (na segunda metade dos anos 90), só então foi verdadeiramente induzida uma perceção do fenómeno do terrorismo internacional jihadista como ameaça à escala global, assente em vertentes de muito difícil perceção precoce, que justificaram (e justificam persistentemente) o investimento de meios na produção e troca de informações, no plano transnacional. Foi a compreensão deste desafio pelo legislador nacional que justificou, num plano de resposta mínima e cautelosa (adaptada à perceção de uma intensidade ainda não muito expressiva dessa ameaça em Portugal), as iniciativas legislativas que desde 2015 confrontam o Tribunal Constitucional, quanto ao acesso, muito limitado, dos serviços de informações ao tipo de material informacional de base, correspondente aos metadados comunicacionais. [40] Pelo meio, em 10 de abril de 1983, incluiu este ciclo o assassinato, durante o Congresso da Internacional Socialista, do dirigente palestiniano moderado Issam Sartawi. [41] Sublinha-se a circunstância de a deriva terrorista de um grupo político em Portugal ter ocorrido em paralelo à consoli- dação do processo democrático subsequente à Revolução do 25 de abril. Foi o que sucedeu com o chamado caso FUP/FP25 (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 231/04, que decretou a extinção do partido político Força de Unidade Popular, considerando-o, expressamente, um alter ego da organização terrorista FP/25).
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