TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

142 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL quanto ao acesso a dados de tráfego estabelecido nesse artigo 4.º, por referência ao âmbito de proteção dos artigos 26.º, n.º 1 e 35.º, n. os 1 e 4, da CRP. Isolarei de seguida, na crítica à posição da maioria de rejeição do artigo 4.º da LM, essas duas dimensões. 3.1. À questão da compatibilização interpretativa do artigo 34.º, n.º 4 da CRP com o acesso a dados de tráfego pelos serviços de informações se referem os dois votos discrepantes formulados no Acórdão n.º 403/15. No meu voto (cfr. os pontos 10., 10.1. e 10.2 ) considerei – e estou a adaptar o que então escrevi – que a fidelidade ao sentido querido pelo legislador constitucional, atualizado por referência à realidade social do presente (tanto a de 2015 como a atual), reclama um ajustamento interpretativo do que a maioria formada a este respeito subsistentemente encara como uma inultrapassável proibição literal contida no n.º 4 do artigo 34.º da CRP. Configura-se este ajustamento como abertura ao que qualifiquei em 2015 como redução teleológica, retirando algo ao âmbito da proibição (observo agora que, em rigor, poderíamos até descrever a atuação desse ajustamento por via interpretativa como ampliação teleológica, acrescentando algo à permissão de interferência). Confronta-nos esta questão com o contexto histórico que desencadeou o aparecimento na Constituição da República Portuguesa de 1976, desde a versão inicial elaborada pela Assembleia Constituinte – entre 2 de junho de 1975 e 2 de abril de 1976 –, de uma disposição restringindo aos “[…] casos previstos na lei em matéria de processo criminal” a exceção à proibição de “[…] toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nas telecomunicações […]”, integrada no segmento final seguinte norma: Artigo 34.º (Inviolabilidade do domicílio e da correspondência) 1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis. 2. A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei. 3. Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento. 4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nas telecomunicações, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal. [após a revisão constitucional de 1997, correspondendo ao texto atual: 4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.] Na projeção desse contexto histórico, não é relevante – não é interpretativamente relevante – especular com a localização no tempo de um suposto pensamento constituinte referido (e limitado) àquilo que, nos anos setenta do século passado, existia e era previsível vir a existir em termos de meios de telecomunicações. Tratar-se-ia, com um indisfarçável pendor serôdio, de uma discussão aparentada à da natureza da eletrici­ dade, para efeitos de integração do crime de furto. Aliás, essa (suposta) questão foi tratada e solucionada pelo legislador constituinte no quadro da revisão de 1997, integrando no referido n.º 4 o inciso, já acima [29] Tal como foi explicitado na discussão travada nesse processo de revisão (estávamos em junho de 1997), pelo Deputado do Partido Socialista José Magalhães (o proponente dessa intercalação): “[trata-se de] explicitar dimensões já hoje contidas no artigo 34.º, n.º 4, no sentido de acompanhar a inovação tecnológica, que é um pouco frenética nesta área, em que estão a aparecer criaturas híbridas já sem nada a ver com a correspondência, no sentido clássico nem com as telecomunicações tais quais as conhecíamos nos anos da graça de 1966, 1982 ou 1989 – aliás, ninguém chega a saber qual será bem o conspecto mundial quando for feita a próxima revisão constitucional. Esta cláusula é abrangente e tendente a criar uma espécie de atualização automática do alcance da norma, abrangendo aquilo que a tecnologia for permitindo e estendendo a esses novos espaços tecnológicos o espaço de liberdade que é próprio do artigo 34.º […]” ( Diário da Assembleia da República , II Série-RC – número 78, p. 2286).

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