TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
138 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL nem tão-pouco o são entre os dois serviços [22]), e não esquecendo que o Tribunal Constitucional alemão considerou a existência dessa base conjunta compatível, nos seus elementos essenciais, com a Constituição alemã [23], importa reter o equacionar peloTribunal, nesse contexto, das condições em que se deve processar a cir- culação de informação entre serviços de informações e estruturas policiais (pontos 111 a 123 do Acórdão). A este respeito, reconhecendo que a essência funcional dos serviços de informações, direcionada à recolha de informação antecipadamente à configuração de uma ameaça concreta, sendo esta deduzida da presença de fatores que reconhe- cidamente funcionam como precursores, considerou o Tribunal, no quadro de um controlo de proporcionalidade referido ao direito à autodeterminação informacional, como valor constitucional relativizado pela construção e funcionamento dessa base de dados, a necessidade de a circulação dos dados contidos na base projetar a licitude da aquisição destes no âmbito funcional do recetor, ficcionando a conformidade da aquisição por este, em função do respetivo conteúdo funcional e meios de atuação. Ficcionando, pois, uma “mudança do propósito” que presidiu originariamente à aquisição desses dados, do âmbito da produção de informações para o da perseguição criminal ou vice-versa, configurando uma “hipotética recolha de dados” ( hypothetische datenneuerhebung ) no quadro da outra função envolvida na partilha [cfr. os pontos 116 a 119 do Acórdão de 2013, no essencial retomados nos pontos 320 e 286 da Sentença do mesmo tibunal de 20 de abril de 2016 (1 BvR , 966/09 e 1 BvR 1140/09) [24]]. Este modelo de análise, concretizado num controlo de proporcionalidade, projeta os valores inerentes à especificidade de cada uma das funções na sua expressão no nível confrontacional do direito à autodeter- minação informacional que cada um deles envolve. Ora, neste balanceamento, o Tribunal Constitucional Federal Alemão ponderou a menor expressão das limitações legais aos poderes de aquisição de dados por parte dos serviços de informações (que constitui, todavia, uma especificidade alemã sem equivalente na nossa ordem jurídica), como interferência justificável pelo menor potencial agressivo da atividade de produção de informações, comparativamente à perseguição criminal, que conduz (é apta a conduzir) à aplicação de penas criminais (cfr. os pontos 117 a 119 e 120 a 123 do Acórdão de 2013). Importa precisar, desde logo – e trata-se de um aspeto relevante para a presente questão de constitu- cionalidade –, a estranheza das questões centrais tratadas nas duas decisões consideradas do Bundesverfas- sungsgericht à matéria que nos ocupa. Aqui, no contexto da LO 4/2017 (tanto no caso do artigo 3.º como do artigo 4.º), estamos perante autorizações judiciais individualizadas de acesso a metadados, especificamente [23] Ponto 1 da decisão: “[a] base de dados de contraterrorismo, como base de dados conjunta de diversos serviços de segurança, visando o combate ao terrorismo internacional, limitada na sua função a facilitar o acesso a informação e que só permite o uso de tal informação para desempenho de funções operacionais em situações excecionais de urgência, é [tal base] compatível com a Constituição”. [24] Refere-se esta decisão de 2016 à alteração dos poderes de investigação do departamento Federal de Polícia Criminal, no quadro da luta contra o terrorismo internacional, ampliando os respetivos poderes de recolha de informação nesse âmbito. A referenciação dos serviços de informações, numa passagem desta decisão, decorreu da permissão, nesse contexto legal (no §20v, sec 5 da Bundeskriminalamtgesetz ), de troca de informações assim recolhidas com estes, “[…] existindo indicações fac- tuais da necessidade desses dados à recolha e análise de informação referida a âmbitos situados na competência do BfV [serviço de informações interno] e dos serviços militares de contrainformação […]”; neste quadro colocou o Tribunal a questão da “mudança do propósito”, como elemento de densificação necessário da possibilidade de transferência de dados (cfr. o ponto 320 da Sentença de 20/04/2016). [25] Este acesso individualizado faz toda a diferença, neste domínio, em termos de segurança da informação detida pela ope- radora e de redução da potencialidade agressiva da recolha de dados. Com efeito, em termos“[…] de enquadramento jurídico, podemos distinguir dois tipos de recolha de dados relacionados com a produção de informações: (1) relativa a comunicações individualizadas [ targeted surveillance of individual communications ], referidas a alvos concretos, baseada num determinado grau de suspeita relativamente a uma pessoa concreta, organização [ou referenciada pelo uso de um determinado equipamento nesse particular contexto]; e (2) vigilância e recolha de informação não referida a alvos concretos e individualizados e não assente em suspeitas concretas, frequentemente associada a expressões-conceito [ catchwords ] do tipo ‘vigilância em massa’ ou ‘recolha em massa’ [ mass surveillance or bulk collection ] de informação. A Comissão de Veneza do Conselho da Europa utiliza a noção de recolha de informação estratégica relativamente a este último tipo, precisamente para acentuar que o processo de filtragem ou de seleção da informação relevante se refere a uma massa de dados que foi recolhida sem base numa suspeita específica” [Christian Schaller, “Strategic Surveillance and Extraterritorial Basic Rights Protectin. German Intelligence Law After Snowden”, in German Law Journal, vol. 19, n.º 4 (2018), p. 945].
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