TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

137 acórdão n.º 464/19 estruturas separadas, na mesma organização). Foi essa separação severamente criticada, na sequência dos ataques de 11 de setembro de 2001, pelo relatório da designada Comissão Nacional de Inquérito [18], que considerou essa separação um fator gerador da falta de antecipação desses eventos, isto num quadro em que existiam “pedaços” de informação relevante “dos dois lados do muro”, que, separados por essa barreira, nunca se encontraram, perdendo assim toda a coerência significativa que – todavia “após o facto” visto como consequencial – adquiriram [19]. 2.1.1.4. No espaço europeu – e estamos a caraterizar em traços muito largos um processo particularmente complexo –, a incidência do que se designa como terrorismo internacional jihadista [20] induziu uma coope­ ração reforçada entre serviços policiais e de informações, tanto ao nível nacional como transnacional (é este, aliás, o quadro motivacional do legislador português, na LO 4/2017, como já havia sucedido em 2015 com o Decreto n.º 426/XII). Ora, foi o ajustamento constitucional desse novo quadro relacional que gerou pronun­ ciamentos do Tribunal Constitucional Federal Alemão – e centramo-nos num país cuja comunidade de infor- mações assenta num modelo que apresenta similitudes à estrutura do SIRP – que consideramos importantes, mas cujo sentido deve ser devidamente esclarecido, obstando a um uso descontextualizado dessas decisões. Convém lembrar que a opção de propiciar acesso a metadados aos serviços de informações portugueses (um acesso que é, todavia, muito limitado) é tributária da perceção de uma deterioração crescente do ambiente de segurança internacional, relativamente à ameaça terrorista transnacional, que justifica, ponderadas as especifici- dades de cada país, um outro (um novo) olhar sobre a atividade de produção de informações. Nesse enquadramento, em 2013, foi o Bundesverfassungsgericht confrontado com uma queixa consti- tucional dirigida à criação de uma Base de Dados tematicamente dedicada ao terrorismo internacional, gerida (alimentada) conjuntamente por serviços de cariz policial e serviços de informações [21] – referimo- nos ao recurso que originou a Sentença de 24/04/2013 (1 BvR , 1215/07). Sendo esse contexto decisório totalmente distinto do aqui em causa (não existe equivalente desse instrumento entre nós; as bases de dados dos dois serviços integrados no SIRP não são, em si mesmas, partilhadas com autoridades policiais, [19] Trata-se de uma asserção muito discutível, tributária de um “determinismo” construído a posteriori , já depois de conhe- cido o resultado, em que os factos-base “perdem” o caráter obscuro e ambíguo que antes (quando a previsão era útil) neces- sariamente apresentavam. Este viés cognitivo – amplamente desmontado no livro de Richard A. Posner, referido na nota 15 supra – é usualmente identificado em psicologia social como “determinismo insidioso” ( creeping determinism ), particularmente presente na análise deste tipo de fenómenos (cfr. Malcolm Gladwell “Connecting The Dots. The paradoxes of intelligence reform”, The New Yorker, março 2, 2003, pp. 83 e ss., disponível através da seguinte ligação: https://www.newyorker.com/ magazine/2003/03/10/connecting-the-dots : “[…] ‘creeping determinism’ – the sense that grows on us, in retrospect, that what has happened was actually inevitable – and the chief effect of creeping determinism […] is that it turns unexpected events into expected events. […] ‘The occurrence of an event increases its reconstructed probability and makes it less surprising than it would have been had the original probability been remembered.’ […]”). [20] Contabilizando apenas os atentados (efetivamente realizados) posteriores ao 11 de setembro de 2001, isolando nestes os ocorridos em países da União Europeia, com direta ligação ao que se convencionou chamar motivação jihadista (expressa na ligação direta à Al-Qaeda e ao chamado Estado Islâmico ou, simplesmente, numa assumida inspiração por estas estru- turas), partindo dos atentados de 11 de março de 2004, em Madrid (ataques à bomba em comboios que provocaram, diretamente, 192 mortos), temos, seguindo o registo constante da Wikipedia (na entrada “List of Islamist Terrorist Attacks”, https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Islamist_terrorist_attacks, consultada na segunda quinzena de agosto de 2019), 32 ações registadas até maio de 2019, totalizando 444 mortos. [21] Os serviços de informações apresentam na Alemanha uma estrutura semelhante aos serviços portugueses, assente num serviço interno, o Departamento Federal de Proteção da Constituição ( Bundesamt für Verfassungsschutz – BfV ), e um serviço de informações externo, o Serviço Federal de Informações ( Bundesnachrichtendienst – BND ). [22] V. os artigos 41.º e 43.º da Lei Quadro do SIRP (Lei n.º 30/84, de 5 de setembro, com última alteração pela Lei Orgâ- nica n.º 4/2014, de 13 de agosto); cfr. o “Regulamento do Centro de Dados do Serviço de Informações Estratégicas e de Defesa e do Centro de Dados do Serviço de Informações de Segurança”, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 188/2017, publicado no Diário da República , 1.ª série – n.º 233 – 5 de dezembro de 2017.

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