TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
134 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL funcional da produção de informações (designadamente através da entrada em campo da adjetivação penal; é essa, aliás, a intencionalidade que se expressa na intervenção no processo de autorização de acesso a metada- dos do Procurador-Geral da República, prevista nos artigos 9.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1 da LO 4/2017). Ou seja, podemos ver a produção de informações como expressão de uma prática social omnipresente na atividade dos Estados, combinando processos de aquisição sistematizada de conhecimento e de exercício do poder visando a gestão do risco, pela redução do fator incerteza [11]. Ora, ilustrando o campo de atuação próprio da produção de informações – e sublinhando à partida a evidente diferença estrutural com a perseguição criminal, que parte do conhecimento de uma realidade fática específica, expressa na existência ou indiciação de um crime em concreto, sendo desencadeada e orientada retrospetivamente por este, adjetivando um resultado consequencialmente previsto para essa ocorrência –, podemos caracterizar (recorrendo ao texto indicado na nota 8, supra ) as alternativas e as gradações de com- plexidade que geram, num quadro que interiorize o fator precaução, a procura de respostas, situadas nesse domínio funcional da atividade do Estado ao qual chamamos produção de informações: “[…] No caso em que a tomada de decisão ocorre num quadro de certeza , conhecemos o resultado das diferentes escolhas possíveis e o único desafio refere-se à clarificação das preferências. No caso do risco , conhecemos os resul- tados possíveis (os efeitos benéficos ou adversos) e a probabilidade de ocorrência dos vários resultados. No caso da incerteza , conhecemos os possíveis resultados, mas não dispomos de base objetiva para estimar a probabilidade respetiva. No caso da ignorância nem sequer são conhecidos que efeitos adversos antecipar, ou desconhecemos a sua magnitude ou relevância, e não dispomos de pistas quanto à probabilidade de ocorrência. No primeiro caso não existe espaço para a ‘produção de informações’, como tal; nas restantes três situações a ‘produção de informações’ adquire crescente importância – e dificuldade. […]” (itálicos acrescentados)[12]. Pressupõe a função policial, quando direcionada à adjetivação penal, elementos factualmente expres- sos, indutores de uma objetivação comportamental que afastam o essencial dos elementos de incerteza e de fluidez na referenciação concreta que observamos nas situações indicadas (risco [13], incerteza, ignorância) como correspondendo ao espaço próprio da atividade de produção de informações e, consequentemente, de atuação dos serviços de informações. A entrada em cena da tutela penal não corresponde, obviamente, a um termo dessa escala, não expressando decisões num quadro que possamos identificar com o termo certeza, menos ainda um quadro que possamos definir como aberto a uma eleição de preferências. Expressa a tutela penal, todavia, na sua génese ativadora, um quadro consequencialmente condicionado por elementos preté- ritos – um evento que se prefigure como criminalmente relevante – de significado suficientemente claro, nas suas incidências jurídicas, que (já) postula o recurso aos mecanismos aptos a alcançar, em última análise, a resposta reintegradora que só pode ser propiciada no quadro da tutela penal. 2.1.1.2. Por outro lado, sobrevaloriza-se na visão que tende a confundir produção de informações e ativi- dade policial – a qual reputamos de inadequada a qualquer das duas atividades e estranha ao nosso modelo [11] Peter Gill, “Theories of Intelligence”, The Oxford Handbook of National Security Intelligence, cit., p. 45. [12] Ibidem. [13] O risco vale para a produção de informações como fenómeno social referenciável a determinados âmbitos temáticos, em termos bem distintos daqueles que correspondem à tutela penal plasmada nos tipos de perigo concreto ou abstrato. Esta tutela, de cariz antecipatório, assenta na construção de tipos específicos com essa motivação, por contraposição à lesão efetiva do bem jurídico, que define os crimes de dano (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal , Parte Geral, tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2007, pp. 308/310). Relativamente a esses tipos (crimes de perigo), estamos, quer no plano da incidência temática, quer no plano da manifestação de situações com esse possível referencial, fora do domínio da produção de informações.
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