TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
125 acórdão n.º 464/19 de localização, precisamente o contrário da ideia de uma «densidade de escrutínio a aplicar pela jurisdição constitucional» que varia consoante as diversas categorias de dados em causa. 10. Para verificar se as medidas contempladas nos artigos 3.º e 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2007 superam os testes inerentes a um controlo baseado no princípio da proibição do excesso, partimos da premissa de que o acesso pelas autoridades do SIRP, quer a dados de localização de equipamento (artigo 3.º), quer a dados de tráfego (artigo 4.º), constitui uma restrição severa dos direitos de reserva de intimidade da vida privada e do livre desenvolvimento da personalidade. É por isso que tal acesso apenas pode ser admitido na presença de um «fundamento, preciso e determinado, na lei», para a prossecução do qual consubstancie um meio adequado, necessário e proporcional, e sempre na dependência de um procedimento apto a assegurar, em cada caso, que a ingerência na privacidade se limite ao mínimo necessário para alcançar a finalidade prosse- guida e se mostre, tudo visto e ponderado, justificada. Atentando no regime de acesso consagrado na Lei Orgânica n.º 4/2017, verifica-se que o mesmo con- tém um conjunto de «elementos tipificadores limitadores da ação» que, do ponto de vista da «densidade da moldura legislativa», o distanciam radicalmente daquele que foi objeto de apreciação no Acórdão n.º 403/15, denotando ainda, quando com este confrontado, o propósito de dotar o sistema de mecanismos suficiente- mente aptos e credíveis para assegurar a fiscalização da legalidade das medidas, a defesa dos direitos dos cidadãos e, em última instância, a prevenção de abusos. Por força dos critérios estabelecidos na lei, a possibilidade de ingerência das autoridades do SIRP nos dados encontra-se previamente limitada por uma tripla via: limitada pela finalidade para a qual pode ser autorizada − somente para «prevenção de atos de espionagem e do terrorismo» ou, no caso dos dados de localização de equipamento, ainda da prevenção de atos de sabotagem, proliferação de armas de destrui ção maciça e criminalidade altamente organizada (para além da «salvaguarda da defesa nacional e da segu- rança interna», consideradas como finalidades a se, o que julgamos inconstitucional pelas razões aduzidas no Acórdão); limitada pelos pressupostos de admissibilidade do pedido de acesso − que apenas pode ser autori zado quando a diligência em causa for necessária, adequada e proporcional «para a obtenção de informação sobre um alvo ou um intermediário determinado» ou que «seria muito difícil ou impossível de obter de outra forma ou em tempo útil para responder a situação de urgência»; e limitada pelos requisitos do pedido de acesso − que apenas pode ser formulado com base numa «suspeita concreta e individualizada» e mediante a descrição detalhada dos «factos que o suportam» e a «identificação da pessoa ou pessoas afetadas (…) pelas medidas pontuais de acesso». É verdade que, na modelação do regime de acesso, o legislador não prescindiu do recurso a um con- junto de conceitos indeterminados, como seja «alvo determinado», «situação de urgência», «muito difícil de obter» e «tempo útil». Todavia, o nível de indeterminação que o recurso a tais conceitos introduz não só tem evidente paralelo no próprio processo criminal que o acórdão toma por paradigma (artigo 187.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), como, à semelhança do que ali sucede, serve também aqui o irrenunciável propósito de devolver ao órgão decisor a tarefa de concordância prática de direitos e bens no caso concreto e perante uma suspeita individualizada e circunstanciada. Ao contrário do que se entende no Acórdão, a respeito do acesso aos dados de tráfego, não cremos que fosse exigível ao legislador que enfrentasse a «incerteza de que se reveste o fenómeno do terrorismo» mediante a enumeração das «situações de facto que estão na origem do perigo». Ainda que se admitisse a possibilidade – no mínimo, duvidosa – de o legislador conseguir satisfazer esse nível de exigência, temos por certo que o sistema de acesso perderia grande parte da eficácia preventiva que constitui a sua razão de ser. Na verdade, não só a densificação da moldura legislativa foi levada tão longe quanto o permitido pela natureza da matéria regulada, como chega ao ponto de ser uma virtude do regime, na medida em que a abertura dos conceitos que regulam o acesso é o veículo que possibilita aquela casuística fina através da qual o órgão de controlo define a fronteira entre a ingerência legítima e o abuso de poder. Subscrevemos, assim, tudo o que
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