TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
124 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da Lei Orgânica n.º 4/2007 mantêm-se, assim, no âmbito da autorização constitucional para restringir a proibição de inviolabilidade dos meios de comunicação intersubjetiva, a qual, tendo na «matéria de processo penal» o seu pressuposto e limite, não pode deixar de abranger aquilo que, na categorização seguida pelo Tri- bunal de Justiça da União Europeia, se poderia designar aqui por «procedimentos de prevenção, de deteção ou de uma ação penal» (acórdão Digital Rights Ireland , de 8 de abril de 2014, ponto 62). E este, como vimos, é o único resultado interpretativo compatível com os princípios da unidade, da concordância, da integração e da estabilidade que orientam a interpretação propriamente constitucional. Concluímos, assim, que a Constituição permite o acesso pelas autoridades do SIRP, para cumprimento das finalidades aí previstas, a todo o universo de dados pessoais coberto pelos artigos 3.º e 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, desde que observados os limites que decorrem do regime geral das restrições aos direitos, liber- dades e garantias, designadamente a proibição do excesso. Em suma, a constitucionalidade das medidas de acesso depende, no essencial, do juízo sobre a sua proporcionalidade. B) Proporcionalidade do Acesso aos Dados de Tráfego 9. Como vimos, a decisão atribui grande relevância constitucional a duas distinções dentro do universo dos dados pessoais cobertos pelos artigos 3.º e 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2007. Por um lado, a distinção entre os dados de tráfego de «comunicações intersubjetivas» e os demais dados − de tráfego, de localização e de base; esta distinção releva da interpretação que a maioria faz do n.º 4 do artigo 34.º da Constituição, que demonstrámos ser insustentável. Por outro lado, a distinção entre os dados de tráfego cobertos pelo artigo 4.º − abrangendo, quer as «comunicações intersubjetivas», quer os dados de internet estranhos a uma comunicação consumada ou tentada «entre pessoas» – e os dados de base e de localização de equipamento cobertos pelo artigo 3.º Assim se explica que na decisão se alcancem juízos opostos sobre a proporcionalidade das medidas de acesso autorizadas por aqueles preceitos. Entende-se que o acesso a dados de tráfego implica uma lesão mais intensa da privacidade do que o acesso a dados de base e de localização de equipamento, na medida em que aquele «possibilita conhecer as escolhas, comportamentos, hábitos, inclinações, gostos, vivências e centros de interesse do titular dos dados, e com base neles, avaliar e tipificar o seu comportamento e as suas par- ticularidades». Daí que, mesmo na hipótese de o n.º 4 do artigo 34.º poder ser interpretado em termos que não proibissem liminarmente o acesso a dados de tráfego de «comunicações intersubjetivas», uma «análise mais atenta» do «regime de acesso aos dados de tráfego de comunicações pelos serviços de informações», consagrado na Lei Orgânica n.º 4/2017, sempre conduziria a idêntica conclusão, dada a insuficiência dos mecanismos de controlo previstos na lei − com a importante diferença de esta ordem de razões se estender a todos os tipos de dados de tráfego cobertos pelo artigo 4.º. Antes de nos debruçarmos sobre a questão da suficiência dos «mecanismos de controlo» previstos na lei, temos de salientar que, do ponto de vista constitucional, não há razão alguma para se enveredar por esta densa floresta de distinções. Em parte, o caminho seguido pela decisão deve-se ao modo como a maioria interpreta o n.º 4 do artigo 34.º da Constituição, matéria que já esgotámos. Mas deve-se ainda a uma ideia que se nos afigura insólita: a de que o acesso a dados de tráfego constitui a priori ou por natureza uma lesão mais intensa da privacidade do que o acesso, não apenas aos chamados «dados de base» – o que parece exato −, mas também aos «dados de localização de equipamento». Não compreendemos como a determina- ção exaustiva dos movimentos do titular através dos dados de localização de equipamento não possibilita, ou possibilita em medida substancialmente menor do que o acesso a dados de tráfego, o conhecimento das «escolhas, comportamentos, hábitos, inclinações, gostos, vivências e centros de interesse do titular dos dados». Pelo contrário, tendemos a crer que, exceção feita aos dados de conteúdo, que se situam fora do âmbito de incidência da Lei Orgânica n.º 4/2017, a conexão entre dados de localização (ainda que estranhos a uma comunicação) e invasão da privacidade é particularmente evidente. E o que daí retiramos é que se justifica um juízo global e uniforme sobre a proporcionalidade das medidas de acesso a dados de tráfego e
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