TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
118 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, como a Lei Orgânica n.º 4/2017 autoriza o acesso pelas autoridades do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), quer a dados de «comunicações intersubjetivas» − dados de «tráfego» e de «telecomunicações», segundo as definições estipulativas destes termos dadas nas alíneas a) do n.º 1 e c) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei Orgânica n.º 4/2017 −, quer a dados estranhos a um processo comunicativo entre pes- soas – dados de «base» e de «localização de equipamento» [alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 2.º] e dados «de tráfego» e «de internet » [alíneas b) do n.º 1 e c) do n.º 2 do artigo 2.º] −, o juízo sobre a constitucionalidade das normas que integram o objeto do processo deve partir, segundo a maioria, de premissas radicalmente distintas num e no outro caso. Assim, o acesso extra delictum aos dados de «comunicações intersubjetivas» – ou seja, fora do âmbito de um processo criminal pendente − é categoricamente proibido pelo regime especial da inviolabilidade das comunicações, estabelecido no artigo 34.º, n.º 4, da Constituição. O acesso aos demais dados abrangidos pela Lei Orgânica n.º 4/2017 é genericamente permitido, desde que observados os vários limites, entre os quais se destaca a proibição do excesso, decorrentes do regime geral das restrições aos direitos, liberdades e garantias, estabelecido no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. 2. O segundo argumento da decisão é o de que, no domínio em que a Lei Orgânica n.º 4/2017 autoriza o acesso pelas autoridades do SIRP a dados que não se encontram sob a incidência do regime especial da inviolabilidade das comunicações, impõe-se um juízo de proporcionalidade diferenciado das medidas, con- soante se trate de dados de tráfego, por um lado, ou dados de base e de localização de equipamento, por outro – o mesmo é dizer, entre os dados cobertos pelo artigo 4.º, na medida em que não respeitem a «comunicações intersubjetivas», e os dados cobertos pelo artigo 3.º. Entende-se que o acesso a dados de tráfego, independentemente da circunstância de estes respeitarem ou não a uma «comunicação intersubjetiva», «representa…uma mais intensa devassa da vida privada do que o acesso aos dados de base ou a dados de localização». De tal modo que, quanto a tal acesso, se justifica uma maior «densidade de escrutínio a aplicar pela jurisdição constitucional», «similar ou equivalente» à reclamada pelo acesso a dados de tráfego de comunicações intersubjetivas, «apesar da diferença de parâmetros consti- tucionais.» Daí se retira que o acesso a dados de tráfego no âmbito da prevenção de atos de espionagem e do ter- rorismo pelas autoridades do SIRP, regulada através de conceitos indeterminados, como os de «“alvo deter- minado”, “situação de urgência”, “muito difícil de obter”, “tempo útil”», que constam do n.º 1 do artigo 6.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, não passa no crivo da proporcionalidade em sentido estrito, na medida em que não assegura que a lesão da autodeterminação informativa fique circunscrita a «situações de perigo suficiente- mente indiciadas», cuja ameaça assente em «circunstâncias de facto, normativamente descritas». Com efeito, considera-se no Acórdão que o «princípio da proporcionalidade impõe que o Estado invoque uma situação de perigo previsível, concreta e de verificação altamente provável» para aceder aos dados cobertos pelo artigo 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017. De outra forma – conclui –, corre-se o risco «de, sob a capa da luta contra o terrorismo e a espionagem, os cidadãos serem reduzidos a identidades digitalmente criadas e heteroconstruí- das», «com a consequente desumanização das pessoas e estandardização dos seus comportamentos», assim acabando por se «perverter a democracia». Pelo contrário, no que respeita aos dados de base e de localização de equipamento cobertos pelo artigo 3.º, afirma-se no Acórdão que os «critérios de acesso (…) traduzem a inevitável e desejável concordância prática entre os valores da privacidade e da segurança que relevam das circunstâncias», salientando-se que o «risco de abuso e de erro é fortemente limitado pelo controlo prévio da formação especial do Supremo Tribunal de Justiça», isto apesar de continuar a ser substancialmente maior, mesmo em face do decaimento parcial da norma, o elenco legal dos fins que justificam o acesso. 3. Nenhum dos argumentos principais se nos afigura persuasivo.
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