TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

116 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a Opinião n.º 1/15, ECLI:EU:C:2017:592, relativa ao Acordo a sobre a transferência dos dados dos registos de identificação dos passageiros, entre a União Europeia e o Canadá, parágrafos 201 a 208). Por tais razões, entendo que a norma do artigo 3.º, em todo o respetivo âmbito objetivo – e não ape- nas na parte relativa à produção de informações necessárias à salvaguarda da defesa nacional e da segurança interna –, não satisfaz o teste da proporcionalidade em sentido estrito, pelo que padece de inconstitucio- nalidade, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n. os 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. – Fernando Vaz Ventura. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido quanto à questão central decidida neste Acórdão, na alínea c) do seu conteúdo dispositivo, por entender que o artigo 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017 não viola o artigo 34.º, n.º 4, da Constituição, na medida em que dele não se extrai uma proibição de acesso dos serviços de informação aos designados meta- dados, para fins de prevenção criminal. Antes de mais, não creio que, no plano constitucional, faça qualquer sentido distinguir os diferentes tipos de dados – de base, de localização e de tráfego – consoante os mesmos dão ou não suporte a uma con- creta comunicação. O direito fundamental à inviolabilidade do domicílio e da correspondência consagrado no artigo 34.º deve ser tomado como um todo, e nessa medida abrange todas as comunicações eletrónicas privadas, qualquer que seja a sua natureza ou meio de transmissão. É, pois, à luz desse conceito amplo de comunicações eletrónicas privadas que se deve aferir o âmbito da proibição estabelecida no n.º 4 daquele artigo e, por maioria de razão também, o âmbito da permissão expressamente ressalvada na sua parte final. Definido o seu âmbito de aplicação, é fácil de se alcançar que o n.º 4 do citado artigo proíbe todas e quaisquer ingerências das autoridades públicas nas comunicações privadas que não estejam previstas na lei “em matéria de processo criminal”. A questão resume-se, pois, em saber se as restrições previstas na Lei Orgânica n.º 4/2017 se podem ou não considerar como restrições “em matéria de processo criminal”, não sendo sequer necessário, para se legitimar as ingerências previstas naquela lei, o recurso ao conceito de restrições constitucionais implícitas aos direitos fundamentais, o que neste caso, aliás, poderia suscitar algu- mas dúvidas, tendo em conta a taxatividade da proibição expressamente estabelecida na Constituição. Isso não significa, como é óbvio, que não se deva fazer uma leitura atualizada do disposto na norma constitucional em análise, pois nenhuma das realidades que estão na origem da Lei Orgânica n.º 4/2017 existiam quando o artigo 34.º da Constituição foi escrito, em 1975. As comunicações não eram eletrónicas, e em qualquer caso os meios de comunicação não tinham a sofisticação tecnológica que tem hoje, nem a crimi- nalidade então existente constituía um perigo para a paz social comparável aos riscos atualmente associados a atos de sabotagem, espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade alta- mente organizada. E a este propósito não posso deixar de dizer que uma Constituição que, salvaguardadas as garantias processuais adequadas, não consinta a ingerência nas comunicações privadas para prevenir o terror- ismo e a alta criminalidade, é uma Constituição que trai a sua própria Ideia de Direito, que tem na segurança dos cidadãos e na defesa dos seus direitos fundamentais uma das traves mestras do Estado de direito. Prova disso mesmo é o facto de as próprias leis “em matéria de processo criminal” terem evoluído muito desde 1975, e de ser hoje evidente que cabe ainda naquele conceito toda a atividade instrutória realizada pelas autoridades judiciárias para fins de prevenção criminal, desde que a estrutura dos seus procedimentos, e das suas garantias, sejam equivalentes à do processo criminal propriamente dito. Como melhor explica a Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros no seu voto de vencido, que nessa parte subscrevo inteiramente, os procedimentos e as garantias estabelecidas na Lei Orgânica n.º 4/2017 para o acesso dos Serviços de Infor- mação aos Metadados, e em geral às comunicações eletrónicas privadas, não são substancialmente diferentes dos estabelecidos nas leis processuais penais para as mesmas ingerências, quando realizadas a solicitação do Ministério Público na fase de Inquérito. E não ocorre a ninguém suscitar a inconstitucionalidade dessas leis,

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