TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

113 acórdão n.º 464/19 liberdades e garantias pessoais pode, sem prejuízo de outras garantias legais, requerer à Comissão de Fiscali­ zação de Dados que proceda às verificações necessárias e ordene o seu cancelamento ou a retificação dos que se mostrarem incompletos ou erróneos»). Consequentemente, o direito de acesso em causa não é suficiente para reequilibrar o regime em análise num sentido favorável ao titular de dados e, por essa via, compatibilizar o peso da ingerência associada à transmissão aos serviços de informações dos dados de telecomunicações e internet previamente armazenados pelos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas com o princípio da proporcionalidade. 6. Finalmente, no que se refere à omissão de previsão da garantia de continuidade do nível de proteção em caso de transmissão a terceiras entidades, importa referir que tal garantia é relevante para assegurar os direitos dos titulares dos dados de acederem aos mesmos, de exigirem a sua retificação ou eliminação e, em geral, de controlarem o tratamento de que os mesmos são objeto, prevenindo que tais direitos sejam esvazia- dos ou inutilizados. De modo particular, a garantia em apreciação também se destina a evitar que os dados pessoais venham a ser utilizados para fins diferentes dos que justificaram o acesso inicial aos mesmos por parte das autoridades competentes. Este princípio da continuidade do nível de proteção em caso de transmissão para países terceiros não- membros da União Europeia ou para organizações internacionais tem sido muito justamente destacado no âmbito do direito da União Europeia (v., por exemplo, o acórdão Schrems , n. os 72 a 74, e o Parecer n.º 1/15, n.º 134; cfr. também os considerandos n. os 64 e 65 da Diretiva (UE) 2016/680, aqui aplicáveis por analogia, assim como os seus artigos 35.º a 40.º; na Lei n.º 59/2019, cfr. os artigos 37.º a 42.º). E o mesmo constitui, pelas razões antes mencionadas, um desenvolvimento consequente do direito à proteção de dados pessoais constitucionalmente consagrado. Ora, o «regime especial de proteção de dados pessoais do SIRP», que, de acordo com o estatuído no artigo 14.º, n.º 3, da Lei Orgânica n.º 4/2017, disciplina o tratamento dos dados obtidos ao abrigo da mesma Lei não contém previsões específicas sobre esta matéria. Por outro lado, como decorre do artigo 7.º, alínea b) , do Regulamento do Centro de Dados do SIED e do SIS, aprovado em anexo à Resolução do Con- selho de Ministros n.º 188/2017, é certo que existem compromissos com serviços congéneres estrangeiros no que se refere à troca de informações e dados. Deste modo, a omissão de previsão da garantia de continuidade aqui em análise com referência aos dados a aceder pelo SIS e pelo SIED, nos termos dos artigos 3.º e 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, torna tal acesso desproporcionado e por isso incompatível com o direito à autode- terminação informativa, uma vez que não acautela suficientemente nem os direitos dos titulares dos dados nem a vinculação às finalidades determinantes do acesso, em termos de os dados não poderem ser tratados posteriormente de uma forma incompatível com essas finalidades. – Pedro Machete. DECLARAÇÃO DE VOTO Recuperando uma antiga e breve memória, o meu exame oral de direito penal começou pelas razões que permitiam – e eram muitas – a aplicação de medidas de segurança restritivas da liberdade aos designados “vagabundos”, sem explicitação de fundamentos e por tempo indeterminado. Era verdadeiramente o Estado contra o direito, por oposição ao nosso atual Estado de direito. Compreenderão que eu tenha, também por essa memória e em consciência, sérias objeções a qual- quer interpretação do artigo 34.º, n.º 4, da Constituição, de que resulte o alargamento da ingerência nas telecomunicações – nele inequivocamente limitada a “matéria de processo criminal” e nesse sentido inter- pretada pela doutrina constitucional nacional mais significativa –, a temáticas que a extravasem, cobrindo indefinições que tenho por perigosas, como a “proliferação de armas de destruição maciça” e, sobretudo, a “segurança interna”. Por muito “unitária” que deva ser a interpretação do texto constitucional, repugna-me aceitar que ainda se considere “interpretação”, isto é, busca do “sentido e alcance” da norma, um processo

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