TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

110 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL prazo, ocorrerá com grande probabilidade a lesão de um bem jurídico protegido), reduzindo as exigências quanto à previsibilidade da sequência causal e, portanto, fazendo recuar a intervenção a situações suscetíveis de serem integradas numa fase preparatória ainda relativamente longínqua – trata-se do “campo avançado” próprio da antecipação de perigos para bens jurídicos valiosos (cfr. o n.º 11.1.2 do presente Acórdão). Mas, também nesses casos, deve a verificação de factos concretos que suportem a prognose de um acontecimento que conduza à lesão dos bens protegidos por pessoas determinadas constar da previsão legal (cfr. a exigência de “situações de perigo suficientemente indiciadas” referida no n.º 11.2.3 do Acórdão). Por exemplo, em relação à prevenção de atos de terrorismo, «frequentemente praticados na sequência de um longo planea- mento, de modos muito diferenciados e em locais não previsíveis por indivíduos não condenados anterior- mente em processos criminais, podem ser autorizadas medidas de vigilância, mesmo que não seja conhecido um acontecimento concreto e previsível, desde que o comportamento individual de certa pessoa funde a probabilidade concreta de que num futuro mais ou menos próximo irá praticar crimes dessa natureza» (cfr. a decisão BVerfGE 141 , 220 [272 f.]: o exemplo mencionado é o da entrada no país de uma pessoa que tenha estado num campo de treino para terroristas localizado no estrangeiro; porém, se o fundamento da intrusão se localizasse ainda mais a montante de uma situação de perigo não totalmente definido para os bens jurídi- cos protegidos, por hipótese, a atração intelectual por uma compreensão religiosa de cariz fundamentalista, o custo da ingerência consubstanciada na vigilância já provavelmente deixaria de ser compensado pelo valor dos fins intencionados). 4.3. Mas não é nada disso que se passa com as previsões dos artigos 3.º e 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017. Acompanhando e procurando reforçar o que se afirma no n.º 11.2.4 do Acórdão – afirmações essas que con- sidero transponíveis para o âmbito de aplicação do artigo 3.º da citada Lei –, verifico que nenhum daqueles dois preceitos contém uma medida clara e precisa quanto aos limites da intrusão. Consequentemente, os mesmos artigos, por si só ou em conjugação com outros elementos do regime em causa, não permitem asse- gurar que a lesão do direito fundamental à autodeterminação informativa, consubstanciada no acesso por parte dos oficiais do SIS e do SIED aos dados de telecomunicações e internet – revistam eles a natureza de dados de base, de dados de localização de equipamento ou de dados de tráfego (cfr. o artigo 2.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 4/2017) – previamente armazenados pelos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas (o mesmo é dizer, a carga coativa) seja, em todos os casos, reduzida ao mínimo indispensável à proteção dos bens jurídicos que, enquanto interesse público fundamental, a legitima (o ganho ou benefício para o interessepúblico). A racionalidade e justa medida entre as vantagens (públicas) e desvantagens (privadas), entre benefícios e custos, não se mostra, por isso, suficientemente garantida. Para que assim não fosse, seria indispensável determinar no amplíssimo campo da prevenção – que pode ir da mera possibilidade de dano, mais ou menos remota, até ao limiar do perigo concreto, passando pela precaução, pela suspeita de perigo e por várias outras situações em que a aproximação do dano pode surgir com maior ou menor definição e com maior ou menor urgência – um tipo de situação objetivamente com- provável a partir da qual a análise custos-benefícios, fundada na consistência da prognose relativamente ao dano do bem jurídico considerado, pudesse ser submetida a uma apreciação crítica. Com efeito, a cláusula de prevenção daqueles dois artigos limita-se a remeter para as atribuições do SIS e do SIED. O primeiro é, justamente, «o organismo incumbido da produção de informações que contribuam para […] a prevenção da sabotagem, do terrorismo, da espionagem e a prática de atos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido» (cfr. o artigo 21.º da Lei- Quadro do Sistema de Informações da República – Lei n.º 30/84, de 5 de setembro). Nesse quadro, os «factos que suportam o pedido» de acesso aos dados, assim como as pessoas envolvidas em tais factos elegíveis como «alvo» ou «intermediário determinado» [cfr. os artigos 6.º, n.º 1, alínea a) , e 9.º, n.º 2, alíneas b) e c) , ambos da Lei Orgânica n.º 4/2017], podem ser quaisquer indivíduos ou entidades que, no juízo do SIS ou do SIED, apresentem uma qualquer possibilidade de conexão – a lei nem sequer exige um risco mínimo – com a prática futura de um dos crimes do “catálogo” (crimes esses que, conforme mencionado, também não

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