TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
109 acórdão n.º 464/19 4.2. As aludidas imprecisões ganham maior acuidade em razão da natureza da atividade desenvolvida pelos serviços de informações, ou seja, as autoridades às quais os dados em causa podem ser transmitidos. Diferentemente do que sucede com a transmissão de dados prevista no artigo 9.º da Lei n.º 32/2008 – a transmissão dos dados de telecomunicações e de internet previamente armazenados pode ser autorizada para fins de investigação e repressão de crimes graves («se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, deteção e repressão de crimes graves» –, a Lei Orgânica n.º 4/2017 visa disciplinar a transmissão de dados para fins de mera prevenção de atos criminosos que ameacem bens jurídicos muito importantes. A prevenção de perigos implica juízos de prognose baseados em regras de experiência quanto à probabilidade de lesão de um dado bem jurídico – orienta-se, por conseguinte, objetivamente, em função da situação de perigo criada em relação a determinado bem; a repressão criminal parte da verificação de um ato danoso punível como crime e procura determinar as circunstâncias da sua produção e o responsável pela sua prática – a orientação aqui é referida essencialmente à pessoa do suspeito da prática do crime (cfr. os desenvolvimentos constantes dos n. os 11.2.3 e 11.2.4 do presente Acórdão). As diferentes perspetivas coenvolvidas – respetivamente, análise de situações objetivas ex ante e a desco- berta ex post e perseguição de suspeitos de terem praticado certos crimes – têm levado a considerar, neste domínio da intrusão no âmbito de proteção do direito à autodeterminação informativa, que a autorização de acesso a dados sensíveis com fins de mera prevenção por simples referência a um catálogo de crimes, tendo em vista evitar que os mesmos venham a ser cometidos e, consequentemente, lesados os bens por eles protegidos, não constitui a técnica normativa mais adequada, uma vez que não são claras as exigências e os critérios quanto à intensidade do perigo para os bens jurídicos a proteger e que é relevante para permitir a intrusão. Esta incerteza é agravada nos casos em que o perigo para tais bens já é, ele próprio, objeto de incriminação ou nos casos em que os atos preparatórios dos crimes do catálogo também são punidos (cfr. a decisão BVerfGE 125, 260 [329]). Acresce, no que se refere especificamente aos serviços de informações, que a respetiva atuação neste domínio se deve submeter às exigências aplicáveis em matéria de prevenção: «as exigências constitucionais para a utilização de dados ordenada à prevenção de perigos [ Gefahrenabwehr ] valem para todas as habilitações de intrusão com fins preventivos. As mesmas valem assim também para o processamento de dados pelos serviços de informações [e não apenas para a atuação preventiva de cariz poli- cial]» (cfr. a decisão BVerfGE 125, 260 [331]). Para superar estas dificuldades, deve o legislador, ao invés, tomar como referência imediata os próprios bens jurídicos cuja proteção justifica o acesso e posterior utilização dos dados em causa e determinar o grau de ameaça de lesão de tais bens a partir do qual se deve considerar verificado o pressuposto para autorizar o acesso aos dados. Uma solução normativa deste tipo é a que mais se ajusta à prevenção de perigos enquanto modo de proteção de bens jurídicos e garante uma conexão imediata ao fim justificativo da ingerência no âmbito de proteção do direito fundamental (cfr. ibidem , pp. 329-330). Em qualquer caso, a base legal habilitante da ingerência tem de conter indicações factuais e pontos de referência a identificar numa dada situação que indiciem um perigo suficientemente caracterizado para os bens jurídicos a proteger; ou, pelo menos, tais indicações devem levar a concluir que uma situação desse tipo poderá ocorrer num futuro próximo. As meras suspeitas ou suposições gerais baseadas na experiência são insuficientes. O mesmo se passa com conjeturas factualmente fundadas sobre possíveis perigos, em que a situação de facto se caracteriza por uma grande abertura quanto ao desenvolvimento futuro. Com efeito, as indicações factuais normativamente exigíveis devem permitir identificar situações concretas em que, com um grau variável de proximidade temporal, determinadas pessoas poderão lesar os bens jurídicos considerados (cfr. as decisões BVerfGE 120, 274 [328 f.], 125, 260 [330 f.] e 141, 220 [271 ff.]) – revestindo tais bens, naturalmente, uma importância constitucional fundamental. Especialmente em relação a formas de criminalidade muito complexas que ameacem bens especial- mente importantes, pode o legislador alargar os limites da possibilidade de intervenção para além do “perigo concreto” típico da prevenção policial (uma situação em que, se nada se fizer no imediato ou a muito curto
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