TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
108 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL n. os 285/92 [III, C) , n.º 5], 474/13 [n.º 12] e 225/18 [n.º 53]; neste domínio específico do tratamento de dados, vide também, por exemplo, a decisão BVerfGE 120, 378 [407 f.] e a decisão do Tribunal Constitucio- nal Federal alemão Bundeskriminalamtsgesetz , de 20 de abril de 2016, a seguir referida como BVerfGE 141, 220 [265], os acórdãos Digital Rights , já citado na presente decisão, n. os 54 e 55, e Tele 2 , n. os 109 e 117; vide, por último, o Parecer n.º 1/15 do Tribunal de Justiça [Grande Secção], de 26 de julho de 2017, n.º 141, que refere igualmente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos). A razão legal justificativa do acesso tem, por isso, de corresponder a uma situação de facto concreta que circunscreva efetivamente a atuação possível das autoridades, tornando claros os limites da atuação permitida. Esta exigência torna-se ainda mais premente nos casos – como o presente – em que os dados de todos são conservados sem uma qualquer razão específica, justamente para efeitos de uma eventual posterior transmissão às autoridades públicas, a seu pedido, mediante um procedimento secreto e não observável pelas pessoas afetadas (cfr. o artigo 14.º, n.º 5, da Lei Orgânica n.º 4/2017). Com efeito, tais circunstâncias, por poderem criar na generalidade das pessoas a sensação de estarem sob uma vigilância permanente por parte das autoridades, aumentam o grau de agressão ao direito à autodeterminação informativa: «as pessoas não sabem o que uma dada autoridade pública sabe sobre elas, mas sabem que as autoridades podem saber muito sobre elas, incluindo informações muito pessoais» (cfr. a decisão BVerfGE 125, 260 [335]; no mesmo sen- tido, vide o acórdão Tele 2 , n.º 100). Ora, a cláusula de prevenção de atos relacionados com certos crimes consagrada nos artigos 3.º e 4.º daquele diploma não satisfaz tal exigência. 4.1. Desde logo, porque não é unívoco em todos os casos previstos o crime concretamente visado e o alcance possível da sua prevenção. Por exemplo, no que se refere ao «terrorismo», é visado apenas o crime homónimo previsto no artigo 4.º da Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto, ou também os crimes de «organizações terroristas», «terrorismo internacional» e «financiamento do terrorismo» previstos, respetivamente, nos artigos 2.º e 3.º, 5.º e 5.º-A da mesma Lei? Note-se que, para efeitos do disposto no Código de Processo Penal, todos os citados crimes são considerados «terrorismo» [cfr. o artigo 1.º, n.º 1, alínea i) , deste Código]. Em qualquer caso, e indepen- dentemente da punição dos atos preparatórios do crime de terrorismo estatuída no artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 52/2003, a verdade é que a prevenção do terrorismo – mesmo que praticado por um só indivíduo – não pode deixar de abranger o seu financiamento e eventuais ajudas ou colaborações. Os atos preparatórios do crime de «espionagem» também são punidos (cfr. o artigo 344.º do Código Penal com referência ao artigo 317.º do mesmo diploma). Tal amplia muitíssimo o âmbito possível da pre- venção: pense-se, por exemplo, na interação de alguém com acesso a documentos classificados como segredo de Estado com uma associação ou organização estrangeira. Ora, só em função do contexto concreto pode ser afastado o eventual caráter preparatório. Aliás, a simples ideia de prevenção pode, em tese, justificar a vigilância de todos os que tenham acesso a tal tipo de informação. Nesse caso, qual o critério legal para vigiar A , mas já não B ? A mesma amplitude quanto à prevenção pode ser replicada a propósito dos atos de «sabotagem» (cfr. o artigo 329.º do Código Penal): perante a agitação académica ou social, qual o facto que justifica iniciar a vigilância tendo em vista prevenir greves “incómodas” e eventualmente lesivas de interesses importantes, protestos sob a forma de “fecho a cadeado” das portas de uma universidade ou o “corte” (temporário) de uma estrada? Por outro lado, onde encontrar a definição relevante para efeitos do artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017 da noção de «proliferação de armas de destruição maciça»? E a «criminalidade altamente organizada» corres ponde apenas ao conceito homónimo definido no artigo 1.º, n.º 1, alínea m) , do Código de Processo Penal, ou deverá ser entendida como um conceito indeterminado, à maneira dos «crimes graves» cuja investigação e repressão justifica a transmissão do mesmo tipo de dados dos que aqui estão em causa, nos termos da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho (cfr. o respetivo artigo 9.º, n.º 1)?
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