TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

105 acórdão n.º 464/19 DECLARAÇÃO DE VOTO [referente à decisão da alínea b) do dispositivo e à fundamentação das decisões das alíneas a) e c) ] 1. A proteção constitucional dos dados pessoais deve ser perspetivada de modo integrado, pois todos os aspetos respeitantes ao seu tratamento – desde a sua recolha e conservação, a transmissão a terceiros e a utilização e conexão com outros dados –, embora autónomos, estão interligados não podendo ser analisados isoladamente. Com efeito, as diferentes expressões ou modos que pode assumir o tratamento de dados pes- soais não autorizado pelo respetivo titular representam uma ou mais agressões aos seus direitos fundamentais, em particular ao direito à autodeterminação informativa e, caso estejam em causa comunicações interpes- soais, também ao direito à autodeterminação comunicativa. Por outro lado, resulta claramente da presente decisão que os dados no domínio das comunicações interpessoais que permitem a identificação das pessoas também são dados pessoais e que, por conseguinte, a tutela constitucional da autodeterminação comunicativa é especial relativamente à tutela constitucional em matéria de autodeterminação informativa (cfr. os n. os 8, in fine , 9, in fine , e 11.2.1 do Acórdão). Com base nestas duas premissas, subscrevo integralmente a fundamentação do Acórdão na parte respei- tante à aplicação ao caso do artigo 34.º, n.º 4, da Constituição (vide, em especial, os n. os 9 e 11.1). Aliás, não poderia deixar de causar enorme perplexidade que, depois de uma pronúncia tão clara como a que consta do Acórdão n.º 403/15, o Tribunal, a propósito da mesma matéria e com referência ao mesmo parâmetro, viesse a adotar um entendimento diferente. Onde a Constituição é clara por razões históricas, literais, sistemáticas e teleológicas, no sentido da defesa dos direitos fundamentais de liberdade perante os poderes públicos, não pode o Tribunal adotar uma hermenêutica constitucional em que tais direitos come­ cem por ser perspetivados enquanto fonte de deveres de proteção legitimadores de intervenções intrusivas no seu âmbito de aplicação. A prevenção de perigos para os direitos fundamentais é necessária e devida, mas ape- nas – e só – no quadro do respeito pelo Estado de direito democrático. Esse é, de resto, o caminho seguido em experiências constitucionais próximas da portuguesa, onde tais exigências conduzem frequentemente à introdução de modificações na Constituição. O que não se afigura admissível é contornar – ou considerar ultrapassados – os obstáculos colocados pelas referidas exigências sob a invocação de um consenso político alargado, mas que, todavia, não chegou a ser vertido nas formas próprias e devidas do quadro constitucional vigente. Por concordar com o que na presente decisão é referido a propósito do sentido e alcance do artigo 34.º, n.º 4, da Constituição, as considerações que se seguem respeitam apenas à avaliação da proporcionalidade das soluções normativas analisadas à luz dos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n. os 1 e 4, da Constituição respeitan- tes à autodeterminação informativa, matéria que é objeto dos n. os 10, 11.2 e 12 daquela decisão. De todo o modo, atento o mencionado caráter geral (e, por isso, também subsidiário) da tutela constitucional da autodeterminação informativa, tais considerações são transponíveis para o domínio da autodeterminação comunicativa, nomeadamente com referência aos dados de tráfego por ela tutelados, pelo que, se não fora a regra proibitiva consagrada no citado artigo 34.º, n.º 4, as mesmas considerações poderiam adquirir uma relevância autónoma a propósito da autodeterminação comunicativa. Igualmente no tocante à aplicação do princípio da proporcionalidade neste domínio, não está em causa a inviabilização da defesa dos valores próprios do Estado de direito democrático. Bem pelo contrário, e como uma vez mais as experiências constitucionais próximas da nossa comprovam, são esses mesmos valores que impõem que a respetiva defesa, sem perda da eficácia, se faça ao abrigo de uma disciplina que assegure as garantias próprias de tal tipo de Estado. 2. A Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de agosto, vem, ao abrigo da concessão prevista no artigo 15.º, n.º 1, da Diretiva 2002/58/CE citada no Acórdão, disciplinar o acesso por oficiais de informações do SIS e do SIED a certo tipo de dados de toda e qualquer pessoa singular ou coletiva que utilize as comunicações

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