TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
104 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e a duração da comunicação. Por isso, a recolha e informatização dessa categoria de dados por si só não for- nece informação sobre o modo de ser do respetivo titular, o modo como constrói a sua vida e como expressa a sua individualidade e personalidade. Essa informação só é possível, incluindo a criação de perfis ( profiling ), através do acesso aos dados de tráfego, que engloba em si mesmo os dados de base. Mas neste caso, os dados de base não poderão dissociar-se dos dados de tráfego, pois quando se tem acesso à informação que estes últi- mos contêm, ter-se-á também acesso à informação relativas aos dados de base, e por isso não podem deixar de estar abrangidos pelo artigo 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017. E quanto aos dados de localização previsto no artigo 3.º, na medida em que o acesso está vedado quando deem suporte a uma concreta e efetiva comunicação, não permitem o acesso à identificação da célula ( cell ID ) de origem e de destino de uma chamada telefónica numa rede móvel; e quando em posição de stand by , isto é, ligado e apto a receber chamadas, podem permitir identificar a situação geográfica das células, mas não identificam, nem permitem identificar o possuidor do equipamento no momento da recolha de dados. Ora, se os elementos mais substanciais e dinâmicos da identidade não são afetados através da intro- missão nos dados de base e de localização que não pressupõem qualquer ato de comunicação, o tratamento desses dados pessoais é menos lesivo da esfera de personalidade e privacidade do respetivo titular que o tratamento dos dados segregados pela comunicação. Por isso, a menor danosidade à confidencialidade dos dados pessoais e à privacidade que lhe está subjacente pode justificar um grau menor de exigência correlativa à determinabilidade da norma que legitima o acesso a esses dados. Enquanto o acesso aos dados de tráfego, porque se revela tão intrusivo quanto o próprio conteúdo da comunicação em si mesma, impõe que o legis lador tipifique com suficiente clareza e determinabilidade as situações em que, por razões de segurança, se justifica eliminar ou enfraquecer o direito à proteção dos dados, no tratamento dos dados de base e de local- ização que não deem suporte a uma comunicação pode aceitar-se e tolerar-se maior abertura da norma que fixa os pressupostos de acesso a tais dados. É por isso que as normas do artigo 6.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, se não revelam o grau mínimo de densidade dos pressupostos de acesso aos dados de tráfego, já que, como se refere no Acórdão, dele «não resulta expresso que a recolha da informação tenha por objeto notícias de factos suscetíveis de fundamentar suspeitas de perigo da prática de determinados crimes contra um número circunscrito de bens jurídicos fundamentais para a comunidade», podem ter determinabilidade normativa suficiente para acesso aos dados que não pressupõem comunicações. Neste domínio, em que não há uma concreta comunicação, a intensi- dade do sacrífico do tratamento de dados pessoais assume contornos diversos e menos lesivos. Enquanto o acesso aos dados de tráfego, pela intensidade da lesão causada à autodeterminação informativa, só é tolerável numa “situação de perigo”, em que existe probabilidade de ocorrência de um evento lesivo, não é excessivo ou desrazoável que o acesso aos dados de base se estenda a uma “situação de risco”, em que possibilidade de ocorrência de um evento lesivo é incerta ou reduzida. Por variadas razões, que o legislador não pode prever, os serviços que compõem o SIRP, podem necessitar de produzir informações para prevenção de riscos à segurança interna e defesa nacional com recurso a “dados contratuais” de comunicações eletrónicas, sem que esse acesso possa ser configurado como intromissão na (tele)comunicação entre pessoas. Para esse efeito – avaliação e antecipação de riscos – as balizas de atuação do SIS e do SIED estão suficientemente traçadas nos artigos 6.º e 9.º da Lei Orgânica n.º 4/2017. Perante a incerteza que encerra a prevenção de riscos de atenta- dos à segurança interna e à segurança nacional, o SIRP não pode estar constrangido a uma atuação baseada em pressupostos firmes, podendo aceitar-se espaços de ponderação valorativa que não podem estar presentes nas situações de perigo. Por isso, não estando em causa a confidencialidade das comunicações, o poder de intromissão naquela categoria específica de dados pessoais não fere intoleravelmente a esfera jurídica dos titulares dos dados. – Lino Rodrigues Ribeiro.
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