TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
103 acórdão n.º 464/19 Os dados de base – os dados informatizados relativos à conexão a uma rede de comunicações eletrónicas – limitam-se a descrever os elementos que fazem parte do objeto do “contrato de prestação de serviços” cele brado entre o utilizador e o operador do serviço de comunicações eletrónica, ou seja, são “dados contratuais” que subsistem enquanto durar o contrato e que se mostram indispensáveis, na perspetiva dos operadores, à faturação dos assinantes e pagamento de interligações, podendo ser tratados sem o consentimento do utiliza- dor [alínea a) do artigo 6.º da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro]; e os dados de localização de equipamento de telecomunicações, quando não deem suporte a uma concreta comunicação, são uma categoria “meramente residual” – como se refere no Acórdão –, que não identificam a célula ( cell ID ) de origem e de destino de uma chamada telefónica numa rede móvel, para além desses equipamentos poderem conter dispositivos de desativação de serviços de localização que impedem ou dificultam a identificação do respetivo possuidor. Não obstante o assinante poder declarar no ato de assinatura do contrato que pretende a confidenciali- dade dos dados contratuais, incluindo a não transmissão a terceiro, a verdade é que, para fins de investigação criminal, a lei não protege na mesma medida essa categorias de dados relativamente aos dados de tráfego. Com efeito, a Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, sobre a conservação de dados gerados ou tratados no contexto de comunicações eletrónicas, considera bloqueados desde o início da sua conservação as categorias de dados indicadas no seu artigo 4.º, «com exceção dos dados relativos ao nome e endereço» (n.º 2 do artigo 7.º); a obrigação de conservação dos dados não abrange os dados de comunicação em que não foi estabelecida ligação telefónica (n.º 2 do artigo 5.º); o acesso e a transmissão de dados sobre localização celular são admis- síveis sem autorização judicial (n.º 6 do artigo 9.º, que remete para o artigo 252.º-A do CPP); e o acesso aos dados de base também é possível sem prévia autorização judicial [artigos 187.º, 189.º, e 269.º, n.º 1, alínea e), do CPP]. Assim, estando proibida a interconexão em tempo real com as bases de dados dos operadores de teleco- municações e Internet para acesso direto em linha aos dados requeridos, assim como o acesso à totalidade dos dados previamente armazenados, através da aquisição em larga escala, por transferência integral dos registos existentes (artigos 6.º, n.º 2, e 9.º, n.º 3, da Lei Orgânica n.º 4/2017), a transmissão de dados contratuais dissociadas das comunicações efetivamente realizadas ou tentadas não pode ter o mesmo grau de proteção que o exigido para dados que revelam as circunstâncias de uma concreta comunicação, já que não colide com a ratio do regime de confidencialidade. O sigilo das telecomunicações não deverá ser sobrevalorizado ao ponto de impedir a prestação da “identificação” e “morada” para produção de informações de segurança relativas a uma “suspeita concreta e individualizada” (n.º 3 do artigo 9.º da Lei Orgânica n.º 4/2017). É que essa categoria específica de dados – dados de identificação – também consta de registos admin- istrativos que descrevem algumas características pessoais de um sujeito – designadamente o nome, a filia- ção, a nacionalidade, a residência, a data de nascimento, género – resultando a identificação de um sujeito do conjunto de documentos oficiais constantes daqueles registos. Não obstante ser o sujeito a determinar os elementos que o particularizam, traçando a sua história de vida, individualizando-se, e não o Estado a individualizá-lo segundo critérios próprios, a verdade é que a necessidade de identificação persiste no sistema jurídico sob uma perspetiva eminentemente publicista: o ato de atribuir signos distintivos à pessoa, como o nome, data de nascimento, estado civil e sexo, surgiu da necessidade estadual de individualizar os seus cidadãos para melhor se relacionar com eles (cobrança de impostos, repressão de delitos, etc.). Por isso, a identificação de uma pessoa, distinguindo-a das demais, tem um campo de abrangência bem mais restrito que a identidade pessoal protegida pelo artigo 26.º da CRP, que possui uma aceção mais substancial, sendo composta por uma série de elementos que a constituem, e que fazem com que a pessoa seja única. Muitos e relevantes aspetos da identidade pessoal, como o conjunto de particularidades comportamen- tais que distingue uma pessoa das outras, não são atingidos pela intromissão nos dados de base. Os dados através dos quais o utilizador tem acesso a um serviço de comunicações são meros elementos estáticos da sua identidade que constam do contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas previsto no artigo 48.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, mas que não permitem identificar, em tempo real ou a posteriori , os utilizadores, o relacionamento entre uns e outros através da rede, a localização, a frequência, a data, a hora
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