TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

102 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL acompanhada da explicitação, nos artigos 6.º e 9.º do mesmo diploma, das condições do exercício do poder, como a interpretação abstrata daqueles conceitos indeterminados exige o concurso das demais normas do sistema que regula a atividade dos Serviços de Informação. De facto, para além do mínimo de conteúdo semântico que os enunciados «segurança interna» e «defesa nacional» possuem, é na Constituição – artigos 272.º e 273.º –, na Lei de Segurança Interna e na Lei de Defesa Nacional que se encontra o núcleo essencial do tipo de situações sobre o qual pode incidir o acesso à categoria de dados prevista no artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de agosto. Assim, a «segurança interna» compreende a atividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquili- dade pública, em especial, «proteger a vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática, designadamente contra o terrorismo, a criminalidade violenta ou altamente organizada, a sabotagem e a espionagem» (artigo 1.º, n. os 1 e 3 da Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto); por sua vez, a «defesa nacional» abrange a atividade destinada a garantir a «soberania do Estado, independência nacional e a integridade ter- ritorial de Portugal, bem como assegurar a liberdade e a segurança das populações e a proteção de valores fundamentais da ordem constitucional contra qualquer agressão ou ameaça exterior» (n.º 1 do artigo 1.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho). Deste modo, o acesso à categoria de dados coberta pelo artigo 3.º encontra-se limitado por finalidades mais pormenorizadas e especificadas que, não obstante a subsistente indeterminação, fornecem simultanea- mente o quadro das circunstâncias em que a intromissão pode ter lugar. Tal como é necessário o recurso às normas do Código Penal e Legislação extravagante para determinar o que são «atos de sabotagem, espio- nagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente organizada» – casos que o Acórdão considerou, e bem, que «traduzem a inevitável e desejável concordância prática entre os valores da privacidade e da segurança que relevam das circunstâncias» –, também se torna necessário o concurso das normas que expressamente definem e enunciam os atos abrangidos pelas conceitos de «segu- rança nacional» e de «defesa nacional». E mesmo assim, considerando os Serviços de Informação abordam esses fenómenos por ângulos diferentes da investigação criminal, tem que se ter em conta que os conceitos usados no âmbito das informações têm um sentido funcional e teleológico não necessariamente coincidente com o significado jurídico-penal. Pode, pois, afirmar-se que o núcleo essencial do tipo de situações capazes de justificar a acesso aos dados de base e de localização que não dão suporte a uma concreta comunicação esta normativamente estabelecido. Porém, o facto de estar assegurada a tipificação mínima das situações em que é possível aceder aos dados não exclui as diferentes possibilidades de ação que decorrem dos conceitos expressivos das normas. A margem de maleabilidade deixada pelos conceitos indeterminados que configuram normativamente os pressupostos do acesso aos dados confere aos Serviços de Informação e à autoridade independente que previamente autoriza o acesso o poder de livremente avaliar, em cada caso concreto, se ocorre o tipo de situações que o legislador previu. Na verdade, sendo a responsabilidade de produzir “informações de segurança” exclusiva daqueles serviços, apenas eles estão em condições de formular juízes de valor, muitos deles juízes de prognose, sobre a necessidade de aceder aos dados para salvaguarda de qualquer das situações que o legislador enquadrou no âmbito da segurança interna e defesa nacional. A menor densidade normativa que resulta da utilização desses conceitos indeterminados apenas é tolerável, sem violação do princípio da segurança jurídica, perante o menor grau de danosidade à privaci- dade causada pela intromissão nessa específica categoria de dados. A Acórdão não deixa de reconhecer tal facto quando inicia a apreciação da constitucionalidade das normas sindicadas pelas questões suscitadas pelos dados de tráfego «tendo em conta o seu maior grau de lesividade na intromissão nesse domínio», referindo de seguida que «o conhecimento destes dados pelos SIS e pelo SIED representa, necessariamente, uma mais intensa devassa da vida privada do que o acesso aos dados de base ou a dados de localização, previstos no artigo 3.º», porém, sem que daí se tire quaisquer consequências. E de facto, o acesso a essa categoria de dados – de base e de localização –, quando dissociado de qualquer comunicação, não apresenta o mesmo dano à privacidade dos respetivos titulares que o causado pela intromissão nos dados de tráfego.

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