TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

100 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL se justifica − ou, pelo menos, reduz a possibilidade de erro ou de abuso a um mínimo possível que se possa ajuizar constitucionalmente tolerável. Quanto à primeira questão, deve entender-se que a existência de um regime desta natureza, pese embora o seu efeito restritivo de direitos fundamentais, é constitucionalmente admissível. O acesso a dados pessoais previsto no artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017 destina-se ao cumprimento de deveres de proteção de direitos fundamentais e a tutela de interesses coletivos com elevada carga axiológica na ordem constitucional. Trata-se, como se viu, do desempenho pelo Estado de tarefas fundamentais definidas na Constituição, em circunstâncias em que a omissão de medidas desta natureza se pode razoavelmente reputar prejudicial para a salvaguarda dos valores constitucionais subjacentes àquelas tarefas. Quanto à segunda questão, julga-se que o acesso para efeitos de prevenção de atos que integram os tipos ou categorias de crimes referidos no artigo 3.º, tal como se encontra regulado na lei, não é desproporcio- nado. A indeterminação dos critérios de acesso – que se consubstanciam num juízo de ponderação casuística, sujeito às exigências acima mencionadas de individuação, necessidade e restrição – traduzem a inevitável e desejável concordância prática entre os valores da privacidade e da segurança que relevam das circunstâncias. E o risco de abuso e de erro é fortemente limitado pelo controlo prévio da formação especial do Supremo Tribunal de Justiça: o risco de abuso é mitigado pela garantia estatutária de independência e imparcialidade dos juízes; o risco de erro é mitigado pela adequação funcional do poder judicial para fazer as ponderações reclamadas pela lei, as quais têm, de resto, uma grande afinidade com as que caracterizam a intervenção do juiz de instrução criminal na fase de inquérito. Porém, semelhante juízo não se pode estender ao segmento da norma que permite o acesso aos dados para efeitos de salvaguarda imediata da defesa nacional e da segurança interna, sem a mediação de critérios de determinabilidade destes conceitos através de «elementos tipificadores limitadores da ação», na expressão do Tribunal Constitucional alemão (cfr. BVerfG , 110, pp. 33, 57 e 60). Os conceitos usados na norma questionada são demasiado vagos, por um lado, e são estranhos ao uni- verso da judicatura, por outro; a exigência de autorização judicial não dá, no que a eles respeita, garantias suficientes de que a ingerência na privacidade dos cidadãos se cinge ao mínimo necessário e proporcional. Na verdade, pela sua própria natureza de conceitos de atribuições essenciais do SIRP, remetem para uma prerrogativa de avaliação do SIS e do SIED que frustra o equilíbrio que apenas o escrutínio judicial rigoroso de cada pedido de acesso pode assegurar. O legislador tem, assim, o ónus de concretizar, de forma rigorosa e precisa, quais os critérios suscetíveis de justificar, nos termos do artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, o acesso, por entidades públicas, aos dados de base e de localização de equipamento dos cidadãos. Sendo assim, julga-se a norma constante do artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017 inconstitucional, no segmento que confere aos oficiais de informação do SIS e do SIED acesso a dados de base e de localização de equipamento, para efeitos de produção de informações necessárias à salvaguarda da defesa nacional e da segurança interna, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n. os 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. III – Decisão Pelo exposto, decide-se: a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de agosto, na parte em que admite o acesso dos oficiais de infor- mações do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e do Serviço de Informações Estratégicas e de Defesa (SIED), relativamente a dados de base e de localização de equipamento, quando não dão suporte a uma concreta comunicação, para efeitos de produção de informações necessárias à salvaguarda da defesa nacional e da segurança interna, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n. os 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;

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