TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
92 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Uma vez que «em nenhum dos diversos números do artigo 65.º da Constituição, designadamente nas três alíneas do n.º 2, é cometida ao Estado uma tarefa da qual resulte, de alguma forma, a obrigação geral de manter soluções jurídicas anteriormente estabelecidas […]» (Acórdão n.º 465/01), o legislador não se encon- tra constitucionalmente impedido, em matéria de arrendamento para habitação, de ajustar os instrumentos de tutela à conjuntura, económica e social, presente em cada momento, mesmo que em aparente retrocesso da situação dos inquilinos existentes. Até porque, como nota Rui Medeiros, «mesmo existindo um aparente retrocesso na perspetiva da situação dos inquilinos existentes, uma conclusão definitiva no sentido da veri- ficação de um retrocesso só pode ser alcançada depois da ponderação, para além da situação dos próprios senhorios, dos efeitos das medidas em causa sobre o mercado do arrendamento em geral» ( ob . cit ., p. 960). 14. A redução de três para um mês do prazo supletivo para desocupação do locado em caso de resolução do contrato, levada a cabo pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, inscreve-se, conforme assinalado já, no âmbito de um conjunto de medidas aprovadas com o intuito de dinamizar o mercado de arrendamento urbano – de modo a disponibilizar «aos portugueses soluções de habitação mais ajustadas às suas necessidades [e] menos consumidoras dos seus recursos» –, designadamente, e no que aqui especialmente releva, através de mecanismos promotores de uma mais célere recolocação do imóvel no mercado. Do ponto de vista da adequação do meio escolhido à finalidade tida em vista, a opção subjacente ao referido encurtamento de prazo não merece, em si mesma, qualquer censura: a dinamização do mercado de arrendamento supõe o incremento da oferta de prédios disponíveis para aquele fim e esta pressupõe a garan- tia de que os mesmos serão devolvidos aos respetivos proprietários aquando da cessação dos contratos que hajam celebrado na qualidade de senhorios. A questão que se coloca é, por isso, apenas a de saber se, ao reduzir de três para um mês o prazo para a restituição do imóvel ao senhorio em caso de resolução do contrato de arrendamento, previsto no artigo 1087.º do Código Civil, o legislador fez descer o nível de proteção conferido à posição dos arrendatários para um ponto incompatível com a tutela infraconstitucional do direito à habitação, consagrado no artigo 65.º, n.º 1, da Lei Fundamental. A resposta parece ser indubitavelmente negativa, para ela concorrendo argumentos de vária ordem. O primeiro prende-se com os próprios limites do controlo da constitucionalidade das leis a partir da função dos direitos fundamentais como imperativos jurídico-constitucionais de tutela: não cabendo a este Tribunal substituir-se ao legislador democrático na definição dos prazos previstos pela ordem jurídica para o cumprimento das obrigações emergentes dos contratos de arrendamento, o que aqui cumpre decisivamente verificar é, não se o prazo supletivo de um mês para a restituição do imóvel ao senhorio, atualmente previsto no artigo 1087.º do Código Civil, é, de entre todos aqueles configuráveis no caso, o que mais eficazmente tutela o direito à habitação titulado pelo arrendatário, mas se a disciplina a que se encontra sujeita a desocu- pação do locado em caso de resolução do contrato – da qual o prazo supletivo de um mês constitui apenas um dos vários elementos a considerar – assegura ou não, na sua globalidade e funcionamento conjunto, uma tutela suficientemente efetiva daquele direito. O segundo argumento prende-se justamente com o tipo de controlo a que enseja o parâmetro extraível do n.º 1 do artigo 65.º da Constituição: uma vez que a exigência colocada pelo direito fundamental à habi tação, enquanto imperativo jurídico-constitucional de tutela, é apenas a de que a ordem jurídica ofereça, no seu conjunto, isto é, através da soma articulada de todos os seus instrumentos, uma proteção suficientemente eficiente do direito à habitação do arrendatário, qualquer juízo que tenha por objeto o prazo estabelecido no artigo 1087.º do Código Civil não pode dispensar a consideração, a par do efetivo quantum definido pelo legislador, dos demais elementos que integram o regime jurídico da desocupação do locado em caso de ces- sação, mediante resolução, do contrato de arrendamento. Assim, para além de não se poder afirmar que o prazo em causa – um mês – seja objetivamente insus- cetível de permitir ao arrendatário encontrar uma solução habitacional alternativa e igualmente condigna, designadamente para o efeito de aí fixar nova residência, o que importa especialmente ter em conta é que
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