TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
91 acórdão n.º 269/19 Católica Portuguesa, 2017, pp. 958 e seguintes), o direito à habitação encontra-se consagrado como um direito social, que a Constituição acolhe numa dupla dimensão, isto é, enquanto direito que gera para o Estado tanto o dever de omitir as ações suscetíveis de o comprometer ou afetar, como ainda a obrigação de promovê-lo e protegê-lo, através da criação e manutenção dos pressupostos de facto e de direito necessários à respetiva defesa e satisfação (neste sentido, sobre a dupla função vinculativa dos direitos fundamentais, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra, Coimbra Editora, 1991, p. 139). Nesta última aceção – de resto, pacífica na jurisprudência deste Tribunal (cfr. Acórdãos n. os 130/92, 131/92, 806/93, 32/97 e 590/04) –, o direito fundamental à habitação apresenta-se como um direito a ações positivas do Estado, nas quais vão incluídas quer as prestações fácticas quer as prestações normativas necessárias a assegurar a todos, por via da propriedade ou do arrendamento, a obtenção e conservação de uma «morada decente, para si e para a sua família» (Acórdão n.º 151/92). Encontrando-se o legislador ordinário constitucionalmente vinculado à edição de normas de promoção e proteção do direito à habitação, o regime jurídico do arrendamento urbano, atualmente constante do NRAU, inscreve-se justamente no âmbito instrumentos de direito ordinário mobilizados para aquele fim. Ora, no âmbito da concretização, através dos institutos de direito ordinário, dos chamados imperativos jurídico-constitucionais de tutela, o legislador dispõe, em regra, de um amplo espaço de livre apreciação, valoração e modelação dos instrumentos escolhidos em ordem à realização daquele desiderato. No domínio da tutela infraconstitucional do direito à habitação, este amplo espaço de conformação que assiste ao legislador ordinário foi já por diversas vezes sublinhado na jurisprudência deste Tribunal. Como se escreveu logo no Acórdão n.º 130/92: «O “direito à habitação”, ou seja, o direito a ter uma morada condigna, como direito fundamental de natureza social, situado no Capítulo II (direitos e deveres sociais) do Título III (direitos e deveres económicos, sociais e culturais) da Constituição, é um direito a prestações. Ele implica determinadas ações ou prestações do Estado, as quais, como já foi salientado, são indicadas nos n. os 2 a 4 do artigo 65.º da Constituição (cfr. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 1991, pp. 680 – 682). Está-se perante um direito cujo con- teúdo não pode ser determinado ao nível das opções constitucionais, antes pressupõe uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, e cuja efetividade está dependente da chamada “reserva do possível” ( Vorbehalt des Möglichen ), em termos políticos, económicos e sociais [cfr. J. J. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, Coimbra Editora, 1982, p. 365, e “ Tomemos a Sério os Direitos Económicos, Sociais e Culturais”, in Separata do Número Especial do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coim- bra – “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia” – 1984, Coimbra, 1989, p. 26; J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 (Reimpressão), Coimbra, Almedina, 1987, pp. 199 e seguintes, 343 e seguintes]». A mesma ideia foi subsequentemente desenvolvida no Acórdão n.º 806/93, aresto no qual pode ler-se o seguinte: «A conceção constitucional quanto à efetivação do direito à habitação é, assim, uma conceção «plural» ou «aberta» quanto aos meios, que tanto pode ser canalizada na promoção e regulação da oferta habitacional, como da sua procura. […] [E]stá em causa uma pura opção de política social, adotada ao abrigo da liberdade que assiste ao legislador, dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos. Não pode, pois, um juízo de constitucionalidade incidir sobre as finalidades dessa política, mas tão somente sobre o confronto dos normativos que a corporizam com os pertinentes preceitos constitucionais». Para além da ampla liberdade de conformação no âmbito estabelecimento do regime jurídico mais adequado à concretização do direito à habitação, o legislador goza ainda da faculdade de modificar tal regime ao longo do tempo, revendo as opções legislativas tomadas em cada momento histórico.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=