TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

86 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9.º n.º 1, do Código Civil), impõe que a ordem de desocupação do arrendado seja diferida no tempo, no mínimo de seis meses. 54. Considerar que o único prazo possível de desocupação do arrendado é de um mês, é ultrapassar, de forma excessiva, a medida de sacrifício imposto ao interesse particular atingido da arrendatária, sendo certo que o dife- rimento da desocupação não significa descurar o interesse particular dos locadores que continuariam a receber as rendas nesse período temporal (seis meses), com a certeza que, após a desocupação, sempre poderiam inserir a sua propriedade nas regras do mercado de arrendamento dos nossos dias. 55. O que apenas se pretende, com tal exigência temporal, é um prazo justo e adequado para a desocupação, de modo a que a inquilina, apesar da (in)justiça material de decisão de despejo, não seja confrontada com a possi- bilidade de ser subitamente despejada sem que tenha tido tempo para deslocalizar o seu centro de vida para outro lugar e domicílio. 56. Donde resulta a inconstitucionalidade da interpretação do art.º 1087.º do Código Civil, em violação dos art. os 65.º e 2.º, da CRP, que aqui expressamente se invoca. 57. O acórdão recorrido não foi sensível ao problema social e conjuntural, ou seja, à falta de meios e à falta de casas e soluções de habitação social, e não diferiu a desocupação do locado. 58. A recorrente entende que a desocupação tem de ser diferida por seis meses, por forma a permitir-lhe enfren- tar o problema de arranjar nova habitação e esse problema é muito complicado. 59. Sendo ainda claro que a recorrente tem pago todas as rendas mensais que se vêm vencendo, as quais são recebidas pelos locadores, e vai continuar a efetuar tal pagamento, embora saiba que não pode ficar no arrendado para além do prazo que vier a ser estipulado de harmonia com o disposto no art.º 1087.º do Código Civil. 60. Igualmente sabe a recorrente que o papel dos tribunais não é moral, mas o seu raciocínio procede sim duma abstração que se faz a partir da normalidade das coisas. 61. Nesse padrão de normalidade, a recorrente ainda não conseguiu, não obstante já ter encetado diligências, resolver a questão da nova habitação; para o efeito precisa de mais tempo. 62. O que tudo justifica alterar a decisão da desocupação, concedendo-lhe um prazo de seis meses, tal como previsto e admitido pelo art.º 1087.º do Código Civil.» 7. Os recorridos, não obstante devidamente notificados, não apresentaram contra-alegações. Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação A . Delimitação do objeto do recurso 8. Ao definir, no respetivo requerimento de interposição, a questão de constitucionalidade que integra o objeto do presente recurso, a recorrente afirmou pretender ver apreciada a constitucionalidade do «art.º 1087 do CC, na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto», ao considerar, «na decisão recorrida, o prazo de um mês para a desocupação do locado», «por violação do disposto no art.º 65 da Constituição da República Portuguesa». Sucede, porém, que, em grande parte dos argumentos articulados nas alegações que apresentou, a recor- rente aditou à norma identificada no requerimento de interposição do recurso – isto é, à norma constante do artigo 1087.º do Código Civil, no segmento que fixa em um mês a contar da resolução do contrato o prazo para desocupação do locado –, um outro elemento, respeitante à viabilidade constitucional, não já da pos- sibilidade de ser fixado em um mês do prazo legal para a desocupação do locado, mas do carácter imperativo que a tal prazo entende ter sido atribuído pelo tribunal recorrido, na interpretação que terá feito daquele primeiro preceito.

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