TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
84 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a ré teria que ser notificada desse desenvolvimento/ampliação para ser cumprido, como se impõe, o princípio do contraditório previsto no art.º 3.º n.º 3 do mesmo Código. 23. A ré devia ter sido notificada e devia ter-lhe sido concedido prazo para proceder ao depósito da indemnização, prazo que teria que ser, necessariamente, igual ao que foi concedido para o depósito das rendas em dívida. 24. Matéria que, não sendo diretamente objeto deste recurso, importa reter para permitir uma melhor obser- vação e avaliação das justiças (ou injustiças) que se vêm praticando nos tribunais deste nosso Estado de Direito Democrático. 25. O direito à habitação encontra-se constitucionalmente tutelado no art.º 65.º da Constituição da República Portuguesa. 26. Considerado tal preceito, afigura-se que o legislador nunca poderia ter pretendido, nem pretende que a desocupação do locado seja concretizada, impreterivelmente no prazo de um mês após a resolução do contrato de arrendamento. 27. O prazo de um mês para a desocupação do locado mencionado no art.º 1087.º do Código Civil, é um prazo mínimo, não máximo. Compete ao julgador, ponderados os factos de cada caso, fixar esse prazo mínimo, ou outro. 28. Se assim se não entendesse, o próprio preceito (art.º 1087.º CC) não faria sentido, uma vez que na sua redação, expressamente se prevê que o juiz pode fixar outro prazo. O qual só pode ser maior, nunca menor. 29. Leia-se integralmente o citado preceito que sob a Epígrafe “Desocupação” fixa que: “A desocupação do locado, nos termos do artigo 1081.º, é exigível após o decurso de um mês a contar da resolução se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes ”. (itálico nosso) 30. Considera-se assim que, interpretada literalmente (ou negligentemente) tal norma (art.º 1087.º CC), no sentido que o prazo de desocupação do locado é, necessariamente, um mês, entra em colisão com o direito à habi- tação tutelado pelo art.º 65.º da CRP. 31. Por outro lado, a remissão deste preceito ao artigo 1081.º, do Código Civil, visa apenas tornar semelhantes os efeitos jurídicos do despejo aos efeitos jurídicos da cessação do contrato de arrendamento. 32. Tanto que no art.º 1081.º sob a epígrafe “Efeitos da cessação” até se preveem diferentes prazos, garantindo- -se ao locador que mesmo no período em que o locado ainda está na posse do ex-locatário, este tem obrigações para com ele, por forma a possibilitar a rápida rentabilização desse locado. 33. Daqui resulta que pode ser fixado ou acordado pelas partes um prazo para a entrega do locado, e que, sendo esse prazo igual ou superior a três meses, o senhorio pode exigir ao arrendatário a colocação de escritos e outras obrigações. 34. Neste processo já se premiaram os senhorios concedendo-lhes um benefício – a resolução do contrato de arrendamento por falta de depósito da indemnização – benefício não peticionado. 35. A falha no depósito da indemnização, terá sido ignorância da recorrente, mas evidencia-se um excesso de zelo favorável aos senhorios por parte dos julgadores, o que também colide com o disposto no art.º 65.º da CRP. 36. Deste modo, a recorrente perdeu a habitação que tinha como segura e duradoura. 37. A aplicação literal de uma disciplina normativa que, na verdade não é a existente, acaba por atingir posi- ções jurídicas ou garantias geradas no passado e relativamente às quais os respetivos titulares formaram legítimas expectativas de não serem perturbados por um regime jurídico “cego”. 38. Este Venerando Tribunal Constitucional não tem ignorado esta problemática, como resulta do Acórdão do Tri- bunal Constitucional n.º 847/14: «Numa situação como a objeto do presente processo um dos limites constitucionais à atuação do legislador é o princípio da segurança jurídica ou ao princípio da proteção da confiança. Com efeito, apesar de o texto da Constituição não aludir expressamente a este princípio, ele é pacificamente dedutível do princípio do Estado de Direito consagrado no seu artigo 2.º. A afirmação deste princípio significa que, num Estado de Direito, a atuação dos poderes públicos deve ser previsível e confiável.» v . g . http://www . tribunalconstitucional . pt/tc/acordaos/20140847 . html 39. A ponderação de que o Tribunal Constitucional vem lançando mão para apreciar as restantes situações potencialmente lesivas do princípio da segurança jurídica assenta no pressuposto de que o princípio do Estado de Direito contido no art.º 2.º da CRP implica “um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expetativas que a elas são juridicamente criadas”.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=