TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
68 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Esta decisão interpreta e aplica erradamente normas substantivas e viola os princípios da confiança, da boa fé processual, da cooperação, da proporcionalidade, do contraditório, do acesso ao direito, bem como do direito a uma tutela efetiva e a um processo equitativo. A tutela da confiança tem vindo a ser desenvolvida e aplicada em diversas áreas do direito. Esta figura radica nos princípios e cresce nas doutrinas da boa fé, em especial como manifestação da proibição de venire contra factum proprium , e é utilizada a todo o momento pelos Tribunais como critério de decisão de casos concretos. Aliás, o STJ já se pronunciou em acórdão de uniformização de jurisprudência no sentido da proteção da con- fiança da parte que atua segundo a atuação do Tribunal, tomando um ato como não sujeito ao regime dos processos urgentes porque o Tribunal assim o determinou, e admitindo a prática de um ato que, se o processo fosse urgente e os respetivos prazos corressem em férias judiciais, seria extemporâneo. Mas vai ainda mais longe, já que nos diz que a tutela das partes pelo princípio da confiança em situações de apreciação da admissibilidade e da tempestividade de recursos não pressupõe que o Tribunal se tenha pronunciado expressamente sobre essa admissibilidade ou tempestividade, bastando que existam comportamentos concludentes dessa posição suficientes para gerar a confiança das partes. De resto, estamos cientes que este tem sido a posição do Tribunal Constitucional, que surge sempre como zelador da garantia do direito ao recurso, tendo vindo a decidir que sempre que a perda do direito ao recurso ocorra numa circunstância em que a parte não pudesse com ela contar, ainda que siga os deveres de uma conduta processual diligente, a sanção da perda do direito ao recurso é desproporcional. O Princípio da proporcionalidade também é posto em causa na decisão de que se reclama. Com efeito, não se justifica a aplicação da restrição das garantias de defesa do art. 9.º do CIRE a esta ação. O não conhecimento do recurso, em concreto, por apresentação das alegações escassos dias após o (suposto) termo do prazo com fun- damento na pretensa urgência do processo é uma sanção manifestamente desproporcional face à utilidade que poderia ter a apresentação do recurso uns escassos dias antes. Estamos certos que a decisão que julgou extemporâneo o recurso do Autor é inconstitucional por violação dos artigos 2.º, 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1 e n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa, que colide com os Princípios da Proporcionalidade e Estado de Direito, da Igualdade e do Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva e do Processo Equitativo. Mas mais, Desde a apensação da ação declarativa ao processo de insolvência até à apresentação das alegações de recurso de apelação, o processo nunca foi sido tratado como tendo natureza urgente pelo Tribunal nem pelas partes, pelo que a parte não podia razoavelmente contar com que o Tribunal viesse a interpretar e a aplicar em sentido oposto o disposto no art. 9.º do C.I.R.E., é inconstitucional por violação dos princípios da certeza, da segurança jurídica, da confiança, da boa fé, da proporcionalidade, do contraditório, do acesso ao direito, a uma tutela efetiva e a um processo equitativo consagrados no art. 2.º, no n.º 1 e no n.º 4 do art. 20.º da Constituição. Da ponderação de todos estes dados, não pode deixar de emergir um juízo de inconstitucionalidade da inter- pretação normativa questionada no presente recurso, por ofensa do Princípios da Proporcionalidade e Estado de Direito, da Igualdade e do Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva e do Processo Equitativo e ainda por violação dos princípios da certeza, da segurança jurídica, da confiança, da boa fé e do contraditório Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, indica-se expres- samente que o presente recurso assenta na inconstitucionalidade na aplicação e interpretação da seguinte norma: Artigo 9.º n.º 1 do CIRE. Com a qual o Autor/Recorrente não pode conformar-se, por padecer de vício de inconstitucionalidade dos artigos 2.º, 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1 e n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa.» 8. Por despacho proferido pela relatora, foi ordenada a notificação das partes nos termos e para os efeitos previstos no artigo 79.º da LTC, considerando-se o objeto do presente recurso integrado pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante, “CIRE”), interpretado no
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