TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
66 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, a natureza urgente de um processo, seus incidentes ou apensos não pode constituir um valor absoluto e abstrato, nem quanto à tramitação processual, nem quanto aos prazos para a prática de atos e modo da sua con- tagem. A atribuição de carácter urgente a um procedimento tem em vista um determinado desiderato e este reside na especial exigência de celeridade para a efetiva tutela de interesses que a lei entendeu dar prevalência sobre outros. O processo de insolvência, genericamente considerado, é composto por incidentes que, em ordem a proteger quer os interesses do devedor/insolvente, quer do coletivo formado pelos seus credores, impõem medidas e pro- cedimentos céleres e consequentemente a atribuição aos mesmos, de carácter urgente, nos termos do disposto no art.º 9.º, n.º 1 do CIRE. Os interesses subjacentes ao fim visado com a atribuição do carácter de urgência ao processo de insolvência são os dos credores sociais e reflexamente o próprio devedor/insolvente. No caso vertente, não se justifica a celeridade do procedimento, considerando os interesses em discussão, e o estado dos autos principais. A atribuição, de forma automática e absoluta, de carácter urgente ao processo de insolvência consubstancia uma restrição, desproporcionada e desigual, dos direitos de defesa do recorrente, uma vez que os critérios de simpli- cidade e celeridade impostos pelo CIRE, visando a satisfação dos interesses dos credores, não são compatíveis com as necessárias garantias de defesa do primeiro, enquanto Autor, próprias de uma normal ação declarativa comum de condenação. Ora, as exigências de celeridade não podem ser de tal ordem que se revelem desproporcionais e violadoras do direito de acesso aos tribunais. Estamos perante uma restrição desproporcionada, desigual e pouco equitativa dos direitos de defesa do Autor. O Autor da ação declarativa, instaurada sob a forma de processo comum, não pode ficar prejudicado no prazo de recurso, em comparação com os autores de outras ações judiciais, apenas porque neste caso o processo teve que correr por apenso a uns autos urgentes – que até já se encontravam arquivados e que, por isso, nada têm de urgentes. Sem prescindir, O due process positivado na Constituição da República Portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais. Ao legislador é vedado a criação de dificuldades excessivas e materialmente injustificadas no direito de acesso aos tribunais. E, Este tem sido o entendimento Jurisprudencial. Senão vejamos: O tipo de ação que se discute, o estado dos autos principais (pendentes ou arquivados), o tempo que leva a alcançar decisão, cria de forma perfeitamente plausível o entendimento de que não se trata de processo urgente, pese embora corra por apenso a autos de insolvência, que revestem natureza urgente. E, mais era legítimo ao Autor assim pensar, pois que os autos principais de insolvência até já se encontravam arquivados. E esta convicção é fundada e legítima e merece, por isso, a tutela do direito, como se reconheceu em situação semelhante no AUJ do STJ, de 31/03/2009. Estamos, a nosso ver, perante uma situação de confiança justificada, assente na boa fé e gerada pela aparência, que deve ser protegida conduzindo à “preservação da posição nela alicerçada”. Acresce ainda o seguinte, OTribunal decidiu que a norma constante do art. 9.º do CIRE (…) se aplica à presente ação declarativa porque esta ação está apensada ao processo de insolvência, sem mais; A norma que confere caráter urgente a um determinado processo tem natureza excecional.
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