TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
62 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV - No caso sob apreciação, a apensação ao processo de insolvência da ação declarativa de condenação instaurada no âmbito do processo-base foi determinada por uma opção do ora recorrente, autor na referida ação: ao invés de deduzir a sua pretensão creditória – com autonomia relativamente aos direi- tos que exercitara neste processo – apenas contra o administrador da insolvência ao abrigo do disposto no artigo 59.º do CIRE, optou por demandar a própria massa insolvente e o administrador da insol- vência, por dívidas que considerou serem originariamente da responsabilidade daquela primeira mas cujo não pagamento imputou a facto ilícito e culposo deste último. V - Contrariamente ao que sucede com as ações contempladas no respetivo artigo 82.º, o CIRE não contém qualquer norma que determine a apensação ao processo de insolvência das ações destinadas a efetivar a responsabilidade do administrador da insolvência pelos danos causados aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que nessa qualidade lhe incumbem, previstas no respetivo artigo 59.º; quanto a estas ações, teria todo o cabimento perguntar-se se as exigências de sim- plificação e celeridade que caracterizam o processo de insolvência, subjacentes à larga maioria das solu- ções constantes do CIRE, poderiam constituir fundamento necessário, adequado e proporcional para justificar, perante o princípio do processo equitativo, acolhido no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, a atribuição da natureza urgente de que este processo se reveste, com consequente encurtamento, também ali, dos prazos previstos para o exercício das faculdades processuais cabidas às partes, em particular a de interposição de recurso. VI - Sucede que não foi assim que o recorrente configurou a sua pretensão creditória na ação que inter- pôs no âmbito do processo-base: ao ter peticionado a condenação da própria massa insolvente e do administrador da insolvência, o ora recorrente estruturou a ação que interpôs no pressuposto de que o montante peticionado constituía uma dívida da massa, o que, por força do disposto no n.º 2 do artigo 89.º do CIRE, determinou (ou sempre determinaria) que o litígio fosse processado e dirimido por apenso ao processo de insolvência. VII - Tratando-se de uma ação que visa a responsabilização da massa insolvente pelo pagamento das quan- tias de que a mesma foi considerada devedora, não é evidentemente possível sustentar-se que os valo- res inerentes à celeridade do processo de insolvência, que justificam a natureza urgente atribuída pelo n.º 1 do artigo 9.º do CIRE, não encontram ali suficiente justificação ou cabimento; também não se vê que, tratando-se de ação condenatória intentada sob a forma de processo comum contra a massa insolvente e o administrador desta, as limitações impostas ao exercício dos direitos atingidos pela redução dos prazos processuais – no caso, o direito ao recurso – se revelem arbitrárias, desrazoáveis ou excessivas, face às finalidades prosseguidas pela atribuição de caráter urgente, não só ao processo de insolvência, como a todos os seus incidentes, apensos e recursos; a solução contida na norma sindicada também não reflete qualquer transposição da margem de discricionariedade que é jurídico-constitu- cionalmente conferida ao legislador no âmbito da modelação do direito ao recurso, designadamente quanto à concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e demais aspetos do respetivo regime. VIII - Enquanto refração do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Cons- tituição, o princípio geral da segurança jurídica é diretamente invocável contra os atos do poder legis- lativo, mas não contra os atos do poder jurisdicional; fora do âmbito do instituto do caso julgado, não existe para o cidadão a proteção da expetativa de que determinada lei venha a ser interpretada num certo sentido ou mediante a exclusão ou o afastamento de um outro.
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