TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
59 acórdão n.º 260/19 2.1. A decisão sumária circunscreveu, corretamente, o parâmetro do artigo 29.º, n.º 1, da Constituição (no qual se estabelece o princípio da legalidade criminal) como o único relevante para apreciação das ques- tões suscitadas pelo recorrente. Efetivamente, apesar de apontar uma violação do disposto no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, o recorrente não adianta argumentos enquadráveis naquela previsão, reconduzindo-se as razões apresentadas, no essencial, à exigência de lei penal certa. Se concluirmos – como se concluiu na decisão reclamada – que a norma penal descreve o comportamento proibido de forma clara e sem ambiguidades, não se prefigura como pode, só pela previsão de um comportamento proibido, resultar violação do princípio da presunção de inocência, a não ser que a própria norma presuma, direta ou indiretamente, a adoção do comportamento proibido, o que, manifestamente, não é o caso (basta ler os fundamentos da decisão recorrida do Tribunal da Relação de Lisboa e da decisão reclamada do relator, acima transcritos, para compreender que em nenhum momento o tribunal recorrido aplicou a norma penal com tal sentido), nem o recorrente logrou mostrar autónomas e diferentes razões para enquadrar a pretendida violação daquele princípio. Como tal, não incorreu a decisão reclamada em omissão de apreciação de um parâmetro jurídico- -constitucional relevante. 2.2. Não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar, num recurso de fiscalização concreta interposto nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, se a norma contida no artigo 164.º, n.º 2, do Código Penal foi interpretada em conformidade com convenção internacional de que o Estado Português seja parte. A argumentação tecida em torno das exigências da Convenção de Istambul e da interpretação da norma penal não se reconduz a questões de inconstitucionalidade para lá da invocada violação do princípio da legalidade criminal. 2.3. A decisão reclamada fundamentou corretamente a conclusão de não ter ocorrido violação do prin- cípio da legalidade criminal. Não cabendo ao Tribunal Constitucional (re)interpretar a norma penal (como desenvolvidamente se expôs na decisão sumária), basta reiterar que a expressão “constrangimento” é suficien- temente clara e precisa para que qualquer destinatário daquela norma, incluindo o recorrente, compreenda o sentido do comportamento proibido, seja em geral (pelo que no “constrangimento” vai implicado de con- trariedade face à vontade da vítima, de condicionamento dessa mesma vontade ou domínio sobre ela), seja, em particular, por referência ao concreto comportamento do recorrente, ao «escuda[r-se] em atos médicos com o propósito de manter comportamentos de natureza sexual, sabendo que [as pessoas visadas] não [os] desejavam», logrando tal intento por «[deixar] as vítimas sem capacidade de reação, custando-lhes admitir que a sua atuação representa um abuso da profissão». Só numa (des)construção teórico-formal desprovida de sentido útil se poderia afirmar que o destinatário da norma – a pessoa comum – não seria capaz de com- preender que aquele comportamento representa um constrangimento da vítima. Para essa compreensão não é necessário explicitar que a ação deve ocorrer “sem consentimento”. Em suma, e no estrito âmbito que cabe ao Tribunal Constitucional apreciar, conclui-se que a descri- ção do comportamento proibido no artigo 164.º, n.º 2, do Código Penal é suficientemente clara, precisa e compreensível para dar adequada satisfação às exigências do artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, ou seja, não encerra tal previsão a ambiguidade ou dúvida que o recorrente assinalou. 2.4. O recorrente invoca, ainda, o seguinte: “[d]iz-se na decisão sumária que o constrangimento resulta de deixar as vítimas sem capacidade de reação. No entanto, em parte alguma da matéria de facto se prevê que algumas das vítimas tenha ficado sem capacidade de reação. não há uma presunção de que os atos médicos causam constrangimento; o médico que examina o corpo de uma paciente age a coberto de uma causa de exclusão da tipicidade que é o acordo”. OTribunal da Relação de Lisboa concluiu que da matéria de facto provada se retira que o recorrente «se escuda em atos médicos com o propósito de manter comportamentos de natureza sexual, sabendo que [as
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=