TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

54 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “[…] A concretização da conduta criminal sustenta-se em qualquer comportamento que seja apto a constranger a vítima à prática de atos sexuais de relevo. Não é, ainda, apenas no relevo do consentimento da vítima para a prática do ato sexual de relevo que se encontra a fronteira da tutela criminal da violação da liberdade sexual. O ato de constrangimento pressupõe sem- pre uma dimensão coativa – ainda que não violenta – que deve ocorrer e que, por isso deve ser manifestada . A existência de qualquer ato de coação, que concretize o constrangimento, do qual resulte a prática do ato sexual de relevo, é assim o elemento típico indispensável para que se concretize o crime. A questão do não consentimento é, no entanto, absolutamente relevante para permitir identificar a situação concreta passível de integrar o ilícito típico. A avaliação sobre o consentimento, nomeadamente se corresponde a uma vontade livre do seu titular, depende do ‘contexto das circunstâncias envolventes’, que pode abranger uma panóplia de fatores (maturidade, vulnerabilidade, isolamento, contexto social, económico, temporal e de lugar, circunstâncias que diminuem a capacidade de emitir uma vontade consciente, etc.). Assim, todas as situações em que a vítima não consente no ato sexual de relevo (quer o exteriorize expres- samente, quer esteja implícito no seu comportamento) e ainda assim seja compelida a realizá-lo, podem cons- tituir crime. Situações de consentimento aparente da vítima, como por exemplo ‘pressão emocional’ fruto do contexto, da idade, do número de agressores, do local onde se encontra, do estado ébrio ou semiébrio, ou todos os outros casos que coloquem a vítima vulnerável, em que apesar de não existir uma recusa expressa, ou existindo, a vítima não manifesta livremente o seu consentimento, podem configurar a prática do crime. Nestas situações, apesar de não ter sido usada violência ou ameaça, o ato sexual não corresponde à sua vontade porque foi impelida a praticá-lo. […] Em termos volitivos o agente do crime tem que ter conhecimento desse não consentimento, ou pelo menos equa- cionar essa hipótese, mas conformando-se com a mesma. […]” (itálicos acrescentados). Daqui não resulta – ao contrário do que o recorrente procurou fazer crer – que existam “[…] dúvidas quanto à determinação das condutas concretamente proibidas”, mas, tão-somente, que o crime pode ser praticado de múltiplas formas, desde que envolvam um ato de constrangimento, que, como a decisão recorrida assinala, é com- preendido com o sentido de «obrigar (alguém) a fazer algo contra vontade; coagir; compelir; forçar». Mas, se a discussão teórica sobre o âmbito do tipo legal pode ter interesse para compreender os elementos que podem considerar-se contidos na letra do preceito, ao presente recurso de fiscalização concreta interessa, acima de tudo, a interpretação da norma afirmada na decisão recorrida. Ali se pode ler, quanto aos elementos relevantes do crime previsto no artigo 164.º, n.º 2, do Código Penal: “[…] Sobre a existência ou não do constrangimento, lê-se no acórdão recorrido [refere-se ao acórdão do tribunal de primeira instância]: «A vexata quaestio está na existência ou não de constrangimento. O constrangimento constitui um resul- tado (e não um meio) o qual é atingido pelo quadro factual: o consentimento que o paciente presta (pela não oposição) confiando que está a ser praticado um ato médico, quando na realidade não está a ser praticado um ato médico, mas apenas um aproveitamento pelo médico para, extrapolando os atos médicos, praticar os atos sexuais que pretende.

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