TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

51 acórdão n.º 260/19 17.º As expressões contidas no artigo 164.º, n.º 2, do Código Penal, são ambíguas, e só se dele constasse a expressão “sem o seu consentimento (da vítima)” é que poderia constituir uma norma penal incriminadora – como tal, e na sua ausência, os tribunais não podem aplicá-la, nomeadamente nas situações de dissentimento e consentimento viciado (constrangido) da vítima face ao ato sexual imposto. 18.º O tratamento legislativo do crime, que teve apoio na norma prevista no artigo 36.º da Convenção de Istam- bul, ficou aquém do que nela se prevê, pois que nela se avalia o crime de violação pelo “não consentimento” e indicando, nas suas sucessivas alíneas, várias formas de agravação, entre elas, os meios típicos que atualmente con- tinuam a preencher o (nosso) n.º 1 do artigo 164.º, do cód. Penal. 19.º O preceito é de tal forma amplo que todas as situações em que a vítima não consente no ato sexual de relevo (quer o exteriorize expressamente, quer esteja implícito no seu comportamento) e alinda assim seja compelida a realizá-lo, podem constituir crime. situações de consentimento aparente da vítima, como por exemplo “pressão emocional” fruto do contexto, da idade, do número de agressores, do local onde se encontra, do estado ébrio ou semi ébrio, ou todos os outros casos que coloquem a vítima vulnerável, em que apesar de não existir uma recusa expressa, ou existindo, a vitima não manifesta livremente o seu consentimento, podem configurar a prática do crime . nestas situações, apesar de não ter sido usada violência ou ameaça, o ato sexual não corresponde à sua von- tade porque foi impelida a praticá-lo. Estes casos podem constituir crime, não é uma certeza absoluta. 20.º Essas dúvidas quanto à determinação das condutas concretamente proibidas não podem existir, porque o direito penal deve incidir e punir condutas ou omissões e nunca estados ou situações de facto uma vez que inexiste um Direito Penal do facto. 21.º O legislador conferiu à norma constante do artigo 164.º, n.º 2, do Código Penal uma indeterminação incon- ciliável com os princípios invocados, que só se dela constasse a expressão “sem o consentimento” seria conforme ao texto constitucional. 22.º Porque o artigo 164.º, n.º 2, do Código Penal viola os artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 2, da Cons- tituição da República Portuguesa, deverá o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da referida norma penal. […]” (itálicos acrescentados). 1.2.1. O recurso foi admitido no Tribunal da Relação de Lisboa, com efeito suspensivo. 1.3. No Tribunal Constitucional, foi proferida decisão sumária, pelo relator, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, no sentido de não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 164.º, n.º 2, do Código Penal. Assentou tal decisão nos fundamentos seguintes: “[…] 2. Está em causa, nos presentes autos, a norma contida no artigo 164.º, n.º 2, do Código Penal. 2.1. A redação atual do apontado preceito, introduzida pela Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, aplicada nos autos (tendo de ser lida em conjugação com o n.º 1 do mesmo artigo) é a seguinte:

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