TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019

490 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «automaticamente impedidos de poderem prevalecer-se de mencionada circunstância» – efeito preclusivo por força do qual, «sem que o senhorio se encontre vinculado a comunicar ao arrendatário a gravidade da não junção nesse momento do comprovativo, este último, e conforme supra referido, em regra já com alguma idade, com menores rendimentos, e com arrendamento ainda vinculístico, vê-se confrontado com um aumento exponencial de renda e eventualmente em risco o seu direito a habitação.» Esta afirmação revela-se, aparentemente, incoerente com a delimitação do objeto do litígio que consta da sentença, identificado com o valor de renda devido «até à data de emissão de certidão do RABC da autora relativo ao ano de 2013» – o que leva o Ministério Público a pressupor que, na interpretação do tribunal a quo, a consequência da não comprovação das circunstâncias invocadas pelo arrendatário «é ter de pagar uma renda, não atenuada, até à apresentação dessa prova». Sucede que o objeto do litígio foi definido por referência ao pedido – o qual, tendo sido formulado em momento em que ainda não havia sido emitida pelo serviço de finanças competente a declaração relativa ao RABC de 2013, salvaguardou a possibilidade de desta decorrerem alterações do nível de rendimentos que pudes- sem justificar um aumento de renda. Razão pela qual se pediu que fosse reconhecido que a ora recorrida não tinha que prestar valor diferente daquele que vinha pagando, «até que a certidão do RABC de 2013 da autora contenha elementos que justifiquem e permitam um aumento da renda», e só se tal acontecesse – o que determinou que o tribunal não se pronunciasse sobre as rendas devidas em período posterior «à emissão e envio do RABC de 2013», por se tratar de questão considerada «fora do âmbito efetivo do pedido». Em face dos autos e da decisão adotada, não se mostra, pois, possível concluir que o tribunal recorrido haja interpretado a norma no sentido de aquele efeito preclusivo – qualificado como «irremediável, insuprível e altamente desproporcional» – poder ser afastado por iniciativa do arrendatário, mediante a apresentação de nova prova, como defende o Ministério Público. Não cabendo a este Tribunal tecer qualquer juízo sobre a interpretação do direito infraconstitucional adotada pelo tribunal a quo, cumpre apenas apreciar a interpretação normativa que constituiu a ratio deci- dendi da decisão recorrida – interpretação que não contempla, ao contrário do que alega o recorrente, a dimensão segundo a qual o aumento de renda imposto pelo senhorio, em consequência da não apresentação da prova anual do RABC, vigoraria apenas até à apresentação de nova prova documental. 6. Como tal, apesar de estar em causa a apresentação anual (e não inicial) dos documentos comprovativos dos regimes de exceção de que os arrendatários podem beneficiar, a questão de constitucionalidade ora sub- metida à apreciação deste Tribunal apresenta assinalável semelhança com a questão anteriormente analisada no Acórdão n.º 277/16, em que se julgou «inconstitucional a norma extraída dos artigos 30.º, 31.º e 32.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, segundo a qual «os inquilinos que não enviem os documentos comprovativos dos regimes de exceção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto à idade ou ao grau de deficiência) ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias, mesmo que não tenham sido pre- viamente alertados pelos senhorios para a necessidade de juntar os referidos documentos e das consequências da sua não junção, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição (…).» com os seguintes fundamentos: « In casu está em causa a aplicação do princípio da preclusão, de origem processual, à possibilidade de o arrendatário, não obstante as ter invocado oportunamente, se prevalecer de certas situações preexistentes, que têm natureza objetiva – porque verificáveis por terceiros e conhecidas das autoridades públicas – e duradoura. É o caso, nomeadamente, do seu rendimento anual bruto, da sua idade ou da sua incapacidade: não sendo tais situações comprovadas documentalmente no momento da resposta a que se refere o artigo 31.º do NRAU, o arrendatário deixa de poder beneficiar do regime substantivo associado à verificação de tais situações, impedindo ou diferindo a transição para o NRAU do seu arrenda- mento e limitando e condicionando a atualização do valor das rendas. A preclusão em apreço ocorre, não no quadro de um processo judicial, mas de um procedimento negocial desencadeado pelo senhorio e sem que este se encontre vinculado a advertir o arrendatário para as consequências da inobservância daquele ónus de comprovação. Por isso mesmo, devem valer aqui, ainda com mais razão, as exigências que este Tribunal tem vindo a formular a propósito do processo. Com referência ao processo civil, o Acórdão n.º 620/13 afirmou o seguinte:

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