TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 105.º Volume \ 2019
49 acórdão n.º 260/19 que há constrangimento ou, então, ao referir-se a ‘outros meios’ tinha de usar a expressão ‘sem consentimento’, como aliás faz noutros crimes de execução livre. Estamos no campo da arbitrariedade. Termos em que deve este Tribunal ad quem afastar a aplicação da norma constante do artigo 164.º, n.º 2, do Código Penal, por ser materialmente inconstitucional, sob pena de se estar a fazer uma interpretação extensiva de uma norma penal incriminadora, ou seja, da parte em que se refere a “constrangimento por outros meios”, de modo a incluir o dis- sentimento e o consentimento viciado, já que daí isso não resulta, em violação dos artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. […] Conclusões do recurso […] 12.º O legislador não cumpre no artigo 164.º, n.º 2, do Código Penal o dever que sobre ele impende de identificar com a máxima precisão que a natureza da linguagem consentir o facto voluntário que considera punível: a des- crição da infração criminal, deste modo feita pelo legislador, não cumpre na verdade as exigências decorrentes do princípio constitucional de lex certa, textualmente sediado no n.º 1 do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa. 13.º Enquanto o n.º 2 do artigo 164.º do Código Penal, não for alterado e dele passar a constar “sem o seu consen- timento (da vítima)” os tribunais não podem aplicá-la, sob pena de termos o absurdo de a vítima poder consentir constrangidamente num relacionamento com o agressor (consentimento este, viciado e, como tal, nulo) não por violência ou ameaça grave, mas por outros meios. 14.º Termos em que deve este Tribunal ad quem afastar a aplicação da norma constante do artigo 164.º, n.º 2, do Código Penal, por ser materialmente inconstitucional, sob pena de se estar a fazer uma interpretação extensiva de uma norma penal incriminadora, ou seja, da parte em que se refere a “constrangimento por outros meios”, de modo a incluir o dissentimento e o consentimento viciado, já que daí isso não resulta, em violação dos artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. […] Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá: […] d) Caso o Tribunal assim não o entenda, deve afastar a aplicação da norma constante do artigo 164.º, n.º 2, do Código Penal, por ser materialmente inconstitucional, sob pena de se estar a fazer uma interpretação extensiva de uma norma penal incriminadora, ou seja, da parte em que se refere a “constrangimento por outros meios”, de modo a incluir o dissentimento e o consentimento viciado, já que daí isso não resulta, em violação dos artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e o arguido absolvido; […]” (itálicos acrescentados). 1.1.1. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 11 de dezembro de 2018, decidiu julgar o recurso parcialmente procedente, reduzindo a pena única a cinco anos e seis meses de prisão, considerando, em suma, quanto à questão de inconstitucionalidade, que não procede a invocada violação do princípio da legalidade “[…] porque o legislador descreveu suficientemente o tipo de conduta, exigindo que a agressão seja produzida através de constrangimento, o que, significando «obrigar (alguém) a fazer algo contra vontade; coagir; compelir; forçar», é suficientemente preciso para descrever a conduta do agente”.
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